quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Como Pode Haver?


Eu ainda me pergunto como depois tantos pedaços caídos. Tantas formas desiludidas e tantos motivos quebrados. Ainda possa haver coração batendo?
São tantos tiros de artilharia pesada, tantos buracos no corpo e ainda sim, algo bate?
São tantas desanimações modelos, e projetos de romance que sequer saíram do papel, mas a estrutura ainda está fixa e erguida... Por que?

Mesmo depois ser resumido a migalhas, nacos, ticos e enfim coisa nenhuma, ainda corre sangue?
Eu ainda me pergunto como depois de tantas falsas esperanças , de tantos falsos palpites ainda exista um fulgor!

Foram tantas lâmpadas apagadas e lanternas que perderam a pilha e mesmo assim ainda pode-se dizer que algo brilha... Por que?
Se nada mais vale a pena de que pena se arraste!
Depois tantas, tantas, desilusões como pode ainda o mesmo peito ansiar a mesma origem que causou dor!

sábado, 23 de janeiro de 2010

A chuva não para



Te despertas no alto da noite, a chuva cai, a chuva mata...
Te desperta sem querer como se não estivesse dormindo, todas as lâmpadas estão desligadas.
E o corredor dorme no silêncio...

A chuva não para de cair!

Todo o resto sobra, toda escada é cinza, todo céu desaba em estrelas...
E a chuva não para de cair!

Solidão acontece, circulando nos pequenos traços de fuligem. Desenhos de pó que acompanham a parede... Articulações pretas escorrem pelas frestas do telhado...
A casa sangra, a casa dorme! Resta apenas o que não foi dito, resta o que ainda acontece...

Na medida que a chuva não para de cair!

Os ratos morrem afogados na calçada, a água sobe pelas escadas... Passa por debaixo da porta, trazendo toda sujeira jogada fora... Tentam erguer os eletros domésticos, tentam tirar os cabos da tomada... Tentam se abrigar no telhado, mas a chuva não para de cair!

Todo colchão flutua, todo chão é sujo e todo corpo pode se afogar...
E a chuva ainda cai! E vai continuar a cair!

Te despertas no alto da noite, pois pode ser tarde..
A chuva não para! A chuva pode matar!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Something


Tudo começou quando George arrumou uma garota. De olhos claros e traços ruivos. Tudo começou ali, em frente o restaurante de comidas finas, olhando a paisagem urbana, quando George conheceu sua garota.
Talvez estivesse chovendo e ele tenha oferecido um guarda chuva... Talvez ele tenha tirado a camiseta e estirado pra ela atravessar uma poça...
George e sua garota!

Escreveram o nome numa árvore de tronco firme, trocaram bilhetes de paquera... E então ela o deixou... Droga! Ela o deixou Acredita? O cara que tocava guitarras! O cara que aprendeu tocar cítara com os hindus! O cara que escreveu sobre o sol ser bem vindo!!!! Trocado por uma ruiva de nome estranho ,Boyd!
Ela arrasou com o cara, fez ele deixar o bigode daquele jeito escroto.
Ele emagreceu e depois de vários dias chuvosos. Ela partiu o coração dele, cara! Deixou ele sem esperanças nenhuma, então ele abraçou aquela guitarra e depois de mais um dia chuvoso... Depois de ver a filha da puta com um de seus amigos, ele compôs Something!

Sabe? Aquela com solinho de guitarra” a pampa “. I don’t knowww, Idont ‘knoww! (manja?) pam... pam... pam! Pam! (manja?)

Tudo começou quando George conheceu ela.... Droga! Aquela canção só foi escrita por causa disso.
Não que a dor do chifre causou a música... Foi por causa daquela mina que ele compôs em harmonia... Porque ele pegava bem com ela!
Coitado do cara! Depois que a mina trocou ele por aquele cara que também era musico, e pior era o amigo do George, o bagulho ficou deprê depois disso.!
Porque, é só você imaginar... A mina na cama com outro, a mina dizendo que ama o outro. Todos o momentos, a partir de cada segundo a mina dividindo a vida do lado de outro....
O cara pirou né! Usou LSD e chá de cogumelo do Sg pepers.
E ele pensou nela inventando something num dia de chuva!
Eu não culpo o cara tá ligado? Aquela mina era coisa mais bonita pintada no mundo... E quando uma mulher é bonita assim a gente doa a alma, se enfeitiça por cada gesto do rosto!
Daí é quente cara! O amor é algo tão quente que quando vai embora o frio fica... È Tenso! Muito tenso!
O George sofreu cara! Sofreu pra caralho! Sofreu que nem vaca cagando pedra, saca?
Tudo começou quando o George conheceu ela... Sem ela não haveria somthing, meu! Não haveria solinho que lembra chuva. Sem something eu não iria conhecer a minha Patty Boyd...

Sem something estaria tudo certo! Sem something eu poderia parar de fazer silêncio.... Sem Something cara, o mundo seria perfeito e eu não choraria quando os putos do from bar colocassem a música pra rodar na jukebox...
Que porra cara! A vida toda eu vivi sem Something e agora é something em tudo. Puta sacanagem!

E tudo culpa daquela vádia da Boyd... Culpa do corno do George, culpa da mãe dele que começou com esse barato de mina ruiva. Something na puta que pariu, meu!
Tudo começou com aquela vitrola na casa do meu pai e o disco azul do Beatles... Tudo começou quando George conheceu ela, e a mina o deixou. A mina o deixou!!
Tudo começou quando ouvi bossa nova pela primeira vez! Tudo começou a partir daí...

Tudo sempre começa!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Divórcio


"Seu dia nasce, sua mente dói...
Você descobre que todas as coisas gentis que ela disse, não fazem mais sentido. Ela acorda, e se maquia. Ela não tem pressa, Ela não precisa mais de você. E nos olhos dela você não vê nada. Nenhum sinal de amor atrás das lágrimas choradas pór ninguém! Um amor que devia ter durado anos! (...) (Beatles, for one). "

Entre folhas de papel rabiscado e uma mesa de vidro os dois estavam sentados em lados opostos. A caneta mexia grifando as exigências que logo eram debatidas entre os advogados. Parecia que o silêncio enfim havia chegado para os dois. Estavam diferentes um do outro, quietos e com olhos excessivos cheios de preocupação.
O homem olhava para os termos grifados e balançava a cabeça expressando um entendido constante. A mulher olhava o carpete azul, ainda meio fatigada com aquela situação. Tentava mostrar determinação, mas no fundo estava insegura, amedrontada com o futuro.
Com as mãos ela sufocava a bolsa de Capri enquanto sorria com lábios rubros expressando uma falsa determinação pessoal.
Por alguns instantes os dois se olharam! Durou menos de dez segundos e logo ambos cruzaram o rosto. Pareciam dois animais ariscos se estranhando, bichos que não se conheciam.
Na certidão de casamento ainda constava marido e mulher. No papel estavam juntos, só no papel! Porque quem visse ambos no mesmo recinto, nunca afirmaria que um dia aqueles dois estranhos haviam passado horas fazendo sexo pelos cômodos de um apartamento recém decorado. Ou que almoçavam juntos, jantavam juntos e depois dormiam juntos durante tantas noites em travesseiros quase colados.
Dois estranhos que se conheciam em tato carnal, em fases de lua... Que um dia quiseram ser mais que dois estranhos!
—De tudo meu amor serei atento! Antes e com tal zelo, e sempre tanto... Que mesmo em face do maior encanto... dele se encante mais meu pensamento...
—De quem é isso?
—Eu nem acabei e você já quer saber de quem é? Espera né!
—Tá! Tá! Continue!
—Quero vivê-lo em cada vão momento....E em seu louvor hei de espalhar meu canto!
E rir meu riso e derramar meu pranto...
—Ah! não gostei desse pranto...
—Por que?
—Ah sei lá! Pranto é uma coisa muito triste pra colocar num convite de casamento...
—Que droga Monica! Você não entende porra nenhuma de poesia!
—O que você disse?
—Que você não entende nada de poesia!
—Não! Não! Você disse aquela palavra que eu não suporto!
—Pranto?
—Não se faça de besta!
—As vezes você parece a minha mãe! Todo mundo tem direito de soltar um palavrão de vez em quando!
— Edú não to afim de discutir hoje!
—Posso continuar com o poema?
—Tá! Continue... Só espero que não tenha mais nada haver com pranto!
—Ao seu pesar ou seu contentamento... E assim, quando mais tarde me procure,quem sabe a morte, angústia de quem vive... Quem sabe a solidão, fim de quem ama... Eu possa me dizer do amor que tive! Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!
—Sabe que eu gostei!
—Sério que gostou?
—Achei bonitinho esse final... Qual é o nome do poema?
—Soneto da...
—Da?
—Da fidelidade!
O pequeno trecho daquele soneto teve causa na conclusão de suas vidas. Ficou gravada em times “new roman” num negrito artesanal quase desenhado de nanquin. Se algo pudesse adivinhar o destino dos dois, seria aquela frase final, marcada na última linha de cada convite:

“Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!”

Assim sem querer se realizou.
E em meio de tantos encontros, desencontros. Brigas e tomadas de sorvete no verão. Ali terminava os sonhos de filhos correndo. Nomes de meninos, sobrenomes que iam embora voltando a ser o que era: Nada.
Morrera tudo! A chama havia se apagado!
Mas nem sempre foi assim. Os dois tinham uma música bonita do Rufus Wainwright... Que uma vez tocou no fim de um filme quando se conheceram. E mesmo sendo o idioma francês (língua que nenhum dos dois compreendia bem). A canção permaneceu como trilha sonora do romance que nascia...
—Complainte de La butte!
Expôs a mulher.
—E como se diz isso?
Perguntou ele
—E eu sei lá! Acho que complainte é complainte mesmo! E La butte! É La búe...
—Bulie!
—Sem o li, faz biquinho igual no u!
—Assim?—Indagou ele com uma com lábios de peixe dizendo u.
—Que fofo esse biquinho!
Os dois riram naquele dia...
Sorrisos que não aconteciam mais. Só havia silêncio neles, silêncios nos olhos, na voz e no peito. De tal modo que a canção silenciava dentro de cada um. Com um piano constante e uma sanfona parisiense diminuindo a cada instante que os advogados carimbavam as folhas. E demarcavam o que iria para cada um.
—Está feito!
Falou o advogado da direita, do lado da mulher!
—Sim está feito!—Acrescentou o outro o advogado e logo continuou— Como vocês não tem filhos, o processo de separação conjugal foi mais simples...
Os advogados ainda esclareciam coisas como abandonar o nome de casado, e sobre o tempo que ambos haviam ficado juntos.
As palavras dissipavam no ar, alguns artigos lidos e tantos outros parágrafos quarenta e sete que pareciam entrar pelo ouvido e deixar um vazio de direito matrimonial no fundo de cada um. Paralisados uma parte deles pereciam sem se realizar... No intimo algo gritava, algo que tinha haver com alianças de ouro, com buques que atravessavam o salão de festa, na última palavra dita agora que se calava para sempre.
—Precisamos conversar!—Afirmou a mulher assim que ele entrou pela porta.
—Diga?
Ele largou a mala em cima da mesa e correu até a geladeira, procurando algo para beber!
—Quanto tempo faz Edú?
A voz dela foi quase encoberta pelo som da lata se abrindo.
—Tempo do que?
Indagou ele puxando um lugar na outra ponta da mesa.
—Do nosso casamento!
O assunto se lançou da boca dela!
—Por que está me perguntando isso! Aconteceu algo?
—Me diz Edú! Quanto tempo?
Os olhos da mulher estavam vermelhos. Notando a maquiagem borrada em volta dos cílios dela, ele subitamente deixou de tomar o liquido que estava na lata e respondeu:
—São dois anos Mô! Completa três em Janeiro!
—E o que temos além de brigas o tempo todo? O que temos além de você nunca saber o que eu sinto...
—Claro que eu sei como você se sente Monica...
—Sabe? Sabe que eu me sinto amargurada toda vez que você esquece que eu estou aqui em casa à noite? Sabe o quanto eu ainda me sinto frágil por... —Ela engasgou com o choro—Por ter abortado naquele ano!
Ele ficou estático. O trauma de ter perdido o único filho mexia com ele...
—O que você quer que eu diga? Que as vezes não suporto voltar pra casa e te ver com a cara presa no travesseiro. Sem me dizer boa noite! Sem sequer olhar na minha cara...
—E o que você quer que eu diga pra alguém que volta as quatro da manhã caindo de porre?
— Eu reconheço meu erro! Reconheço que fugi saindo e voltando tarde. Mas quantas vezes tentei te abraçar e você fugiu de mim! Quantas vezes eu me senti culpado e nem sabia o porque...
—Você nunca me entendeu Eduardo! Sempre...
—Nunca?—Gritou ele batendo a palma da mão no centro da mesa, a pancada balançou o objeto enquanto ele continuava— Se você fala isso porque sempre fiquei quieto nas nossas discussões!
Ela não disse nada. Olhava para decoração da cozinha. Decoração que ela sempre odiara.
—Eu me fazia de quieto, pra você gritar! Pra não te aborrecer por causa daquilo... Quantas vezes você quis discutir por falta de sentimento que você achava que eu não tinha! Quantas discussões nós tivemos porque você tem essa mania de achar que tudo não está bom! Eu odeio isso! Eu só queria chegar em casa e fingir que tudo está bem! Tomar um gole de cerveja e esperar que amanhã tudo vai se resolver!!
—Mas não vai Eduardo! Não vai!
Ela caiu em lágrimas longas. O ambiente ficou pesado e o barulho intenso do refrigerador (objeto que os dois tinham ganhado de presente de casamento) fechou o vazio da conversa. Ele a olhava ainda com o corpo quente de tensão, ela estava desgastada emocionalmente ferida pelas palavras dele, e pelas próprias palavras... Ferida pela vida conjugal que expirava. Nem parecia a mulher sorridente que tremia, anciosa que um dia subiu ao altar.
“Você, Carlos Eduardo Silva, aceita Monica Cristina Figueiredo como sua esposa e promete: amá-la...”
As palavras do padre vinham em sua mente. Enquanto a mulher ainda soluçava de choro.
”Fidelidade, amor e compreensão”
As palavras daquele juramento faziam com que ele se sentisse traidor do que havia aceitado. Ele traia o juramento... Traia porque sabia que seria melhor assim! Por mais mágoa que tivesse dela. Por mais que seu cérebro engatilhasse a fuga, o homem não agüentava ver a sua mulher em cacos...
—Monica
Disse ele quase sussurrando
—Talvez devêssemos...
Ele esperou até que ela prestasse atenção e logo continuou, tentando explicar o que nem ele mesmo sabia:
—Seguir um rumo diferente...
—Como assim?
Perguntou ela meio confusa tentando se recompor das lágrimas derramadas.
—Recomeçar!
—Como assim recomeçar?
—Seguirmos longe um do outro! Por novos caminhos!
—Você está falando em divórcio!
—Sim, eu acho que é isso mesmo!
A mulher ficou engolindo o assunto proposto. E quando ia dizer algo, talvez um “espere” ou um “ Você tem mesmo certeza disso” .
Ele deixou a mesa e saiu pela porta para rua. Ele jamais voltou! Assumindo pra si mesmo que a separação faria com que ambos se reconstruíssem.
Depois de algumas semanas a mulher segurou os papeis do divórcio pela primeira vez... As folhas bem grampeadas chegaram por intermédio do correio. Toda a preocupação que a ela sentia se transformou em mágoa... A mulher nunca o perdoou pelo ato final.
Ele no entanto não sentia lástima só medo de assumir que estava com medo. E como proteção para o próprio medo o homem se cercou de orgulho.
Os advogados posicionaram as folhas a serem assinadas...Os flashs do passado terminavam ali! As últimas assinaturas (feitas pelo antigo casal) transformavam para sempre o extinto casamento num eterno defunto velado em seu caixão.
Velavam a si mesmos, velavam o final da história.... Velavam o fim da união!
As alianças enfim enterradas! O ouro reluzente dentro de uma caixa pequena e apertada... Enferrujando cada letra do nome que ali estava gravado.
Os advogados fecharam as pastas, separando a burocracia, separando os dois.
E eles ganhavam a marca,”do casamento que não deu certo”.
Claro que ainda poderiam dizer para alguns que agora eram solteiros e omitir o estado civil de “divorciado” das folhas de pesquisa na rua. Mas no fim saberiam (cada um em seu íntimo) que um dia em algum mês eles haviam sido marido e mulher!
—Boa sorte daqui pra frente!
Desejou ele timidamente colocando o óculos de sol enquanto saiam do fórum!
—Pra você também!
Respondeu a mulher... Cruzando o lado oposto da avenida! Ambos ainda podiam escutar as batidas aflitas no coração... Que mesmo calado, triste e inconsciente dizia alto o último soneto, que queria ouvir. Talvez não fosse o coração, mas sim, um ator que interpretava na praça ali perto uma antologia poética do grande bardo carioca, completando as últimas palavras de fim...
E o soneto ecoou como último ditado para ambos, completando a sentença... Completando o divórcio!

“De repente do riso fez-se o pranto.... Silencioso e branco como a bruma, E das bocas unidas fez-se a espuma! E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento... Que dos olhos desfez a última chama! E da paixão fez-se o pressentimento... E do momento imóvel fez o drama! De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante!!!!! E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante.Fez-se da vida uma aventura errante...

De repente, não mais que de repente.”

(Soneto da separação, Vinicius de Moraes).

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Quando um poeta morre...


Eu escrevi este texto enquanto escutava "The Scientist" caso alguém queira ter a mesma perspectiva que eu tive. Deixo aqui a dica, escute "The Scientist" enquanto lêem o texto! http://www.youtube.com/watch?v=tmjPrdTNxQ0 ).
Bom texto!
Cléber.

Segurei sua mão enquanto os teus lábios se mexiam... Eu puxei você até meus braços, enquanto minha pulsação disparava em sentimentos nostálgicos... Acariciei o teu rosto pequeno, me fazendo a mesma pergunta sobre o que é mesmo isso que respiramos como fragrância de viver... Meus lábios ainda borrifavam vinho, meus olhos queriam os teus olhos! E a mesma voz eclodiu na minha mente, enquanto meus tímpanos eram então estourados outra vez!

As palavras me marcaram como fogo, tatuando no meu corpo o coração em cacos que sempre encobri com poesias de acalanto próximo.
Uma frase para perder a vida
—Não posso!

Uma frase para me fazer sentir embaraçado...
—Não posso!

Aquilo percorria todo o silêncio do meu intimo, olhei no espelho e me senti corcunda na torre mais alta. Sozinho e cheio de histórias tristes pra contar! O tom de feiúra me surgiu em reflexo. E então a idéia de ser maldito refletiu na água que saia da torneira... Aquele capitulo de morrer sozinho e sem amor nenhum... Cercado e sozinho, longe de casa de novo! No meio da multidão levando os cacos de uma vida inteira. A face morna se esquenta, é a lagrima de Pierrot outra vez! Ela escorrega sem querer, e agora embaça os meus olhos de vidro!

“Desculpe se achei que aquilo fosse o inicio de um beijo! Desculpe, por não saber mais ser romântico! E por reconhecer em você amor“

Me despeço, mentalmente enquanto entro no ônibus! Minhas palavras ainda estão reprimidas, me sinto como vapor que cessa enquanto a fogueira recebe água fria... Eu sei! E também desconfio que ela também saiba... Algo meu vai ficar ali enraizada nas paginas do livro... Escondido na contra capa que colei com fita adesiva minusculamente como presente de aniversário, amor para ela, amor para nos dois.
Eu não disse nada! Porque o que é dito nunca se cala e permanece numa espécie de receptáculo, apontando diretamente para o que circula em nosso espírito. Quando alma aparenta estar perdida, simplesmente revive gerando expectativa de uma coisa nova cheia de asfalto e montes verdes.
Aos poucos o motor ronca, e a paisagem vai se soltando na janela, ela acena tchau! Eu apenas pisco em sinal de afeição. Meu coração desmorona por alguma coisa que nem eu sei o que é direito. A sina “ônibus-estrada” se repete... O veiculo cruza a ponte, o rio se ajeita... Talvez seja a última vez que vejo o rastro daquele rio, o vento leva uma poeira acastanhada... Castanho igual olhos dela. Escuto aquela voz dizendo: —Que foi? Que foi?
Não agüento mais pensar na estrada, ela me lembra um passado de quase três anos... Algo que me faz ter certa infelicidade na experiência... Abro mais uma pagina de “on the road”. Queria ser como Jack Kerouac, queria atravessar os estados sem ligar para os meus cacos de apego. Isso me falta, não é amor...
Não é a desilusão de um chute! Não são os olhos castanhos de alguém que me apaixonei sem querer! È a vida na estrada, é conhecer vagabundos... E ter o que escrever, é encher a cara de vinho e acordar no Paraná. Sem saber o meu nome ou como era minha vida antes disso... Esquecer dessa alma inútil de Pierrot, esquecer que meu nariz é grande demais e meu cabelo desajustado demais. Ser igual ao Kerouac é: Parar de sentir repulsa do espelho, ou ficar se sentindo culpado por sempre perder alguém. È passar fome por não ter o que comer, é ver a morte de um rapaz que sonha e o parto de um verdadeiro escritor que chega... Que enlaça o seu povo no cromossomo mais intimo! È ter sede de gente... È ter um motivo para não se sentir um desgraçado por ser simplesmente rejeitado! Eu queria ser como Jack! Queria comer tortas no caminho de Denver, tomar whisky num caminhão em movimento na tentativa de se esquentar... Queria ser um Beat!
Eu vejo meu Strawberry Field da janela, meu lugar favorito em todo mundo! Algo que me faz sentir bem, mesmo que ainda a responsabilidade de ser alguém me deixe vazio... Ali eu sinto que sou muito mais. Que ainda sou! Que ainda vou ser aquilo que posso ser... Aquilo que sou.. Eu! Me sinto bem em estar de volta a cidade dos caquis e dos ipês amarelos. A estrada fica pra trás, estou na cidade. De volta ao lar! O bom filho a casa torna! Ou seja lá o que querem dizer com isso!

Olho para moça que está do meu lado, ela dorme um sono que dá vontade de fotografar! O vento traz de volta as cinzas das quatro. Eu ainda estou com aqueles olhos dentro de mim...(vou dormir pensando naqueles olhos!).
Um sorriso me vem na face quando cruzo a passarela. O barulho do trem passando embaixo dos meus pés é assustador! Meio assustado e meio abatido eu ainda consigo soltar um sorriso! Eu sei que isso vem dela, eu sei que to sentindo saudade e na manhã seguinte vou sentir mais... Eu também sei depois de uma noite isso acaba! Termina virando morfina solta na madrugada.... E daí eu não vou sentir mais nada! Não vou ter mais acesso a sentimento nenhum. E isso me causa medo! Porque no fundo eu sei, que cada vez mais algo me força a parar de sentir!
Uma forma nebulosa de máscara negra, realidade de adaptação que vem como anti-gripal para cessar o pesar, para voltar a seguir a rotina. A forma nebulosa ri alto, nunca diz nada,mas eu compreendo o significado... Sem esse "que" de coração, eu seria mais repleto de frieza... Conquistaria mais, e não andaria pensando em nada. Seria um funcionário público, seria um mercador famoso, um bancário orgulhoso e perderia a essência mãe que fui criado!
Quando essa máscara negra me absorver completamente, quando enfim eu parar de sentir! Quando a atmosfera daqueles olhos castanhos sumir... Quando parar de inventar musas e toda gota de afeto desaparecer! Todo sentimento que prezo vai acabar. E sem esse tipo de sentimento não haverá mais folha ou caneta de tinta azul manchando meus dedos... Não haverá crença em mais nada... O homem nasce o poeta morre!

E todo texto é jogado na fogueira, a essência acumulada, o som de violinos a literatura de penas é manchada... Eu não vou saber o quanto de mim restou. Quantas batidas no peito, quantas cartas dedicadas, quantos poesias escritas... Desperdiçadas, como os sentimentos que se findou...
Nasce o homem, morre o desperdiçador!

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Glossário:
Pierrot: Variação francesa do palhaço triste, apaixonado pela Colombina, que inevitavelmente lhe parte o coração e o deixa pelo Arlequim. Uma de suas características é a lágrima no rosto.
Receptáculo: Lugar onde se reúnem coisas provenientes de diferentes origens.
Jack Kerouac: Autor estadunidense do romance On the Road (pé na estrada) responsáveis por uma das maiores revoluções culturais do secu XX. Percussor da geração Beat.
Strawberry Field: “Strawberry Fields Forever” Na verdade é uma canção dos Beatles Composta por John Lennon e creditada a dupla John Lennon-McCartney. A gravação foi realizada no período de 24 de novembro a 22 de dezembro de 1966. Diz a história que Strawberry Field (Campos de morango) era um lugar onde o exército da salvação fazia quermesses em Liverpool onde John Lennon ia quando criança. Esse é ponto filosófico da música Strawberry Field pode ser tanto um lugar,um objeto e até uma pessoa... Onde recorremos quando estamos mal, onde passamos bons momentos e lá nada importa tudo é perfeito!