domingo, 9 de maio de 2010

Velhice



O primeiro fio era preto, meio transparente... Podia ser contado a dedo. Depois de alguns meses já havia uma ninhada deles. Presa em laço, parecido com um coqueiro balançando ao vento! Passado um ano já podia ser amarrado de várias formas e a empolgação era tanta que de pequenos fios pretos amarrados em coqueiro agora era uma imensa aglomeração de fios castanhos que brilhavam todas as manhãs. Tão numerosos, tão brilhantes lavados com aroma de rosas. Os fios cresciam e eram aparados, médio, repicado muito curto.. Alto demais! E de castanho ficou loiro, moreno até meio avermelhado. E de tanto fio que havia, de tantas cores que oscilava... Foi-se passando a vaidade, a importância de curto, amarrado ou muito longo. Os fios foram sendo padronizados numa estética meio sem graça, organizada para sair de manhã. E mesmo com tamanha mudança, mesmo com padronização a cor que operou o desespero não veio da caixa espontânea, não oscilou... Era natural de efeito biológico, cinza branqueado! Puxado na vertical pelas mãos da filha que sorrindo dizia...

–Achei um branco!

Meio sem graça olhou para trás, lembrou-se da amarra de coqueiro ,do sorriso inocente. Da infância cheia de cachos e da adolescência da pré coloração. O fio branco passava da mão de sua primogênita até os dedos dela que segurava cuidadosamente como um pequeno fio de vida frágil que desbotava quase transparente sob a luz clara do recinto. Com os olhos focados ela analisou o fio branco comparando com a pequena franja de sua filha. Lembrando e sentindo a nostalgia refletir por tantos becos que havia percorrido. De relance contava tantos pentes que foram embora no saco de lixo. Tantos aromas que percorreram nutrindo e limpando seu cabelo.

E ali estava o primeiro indicio de que os anos haviam passado.

Vários e vários meses se materializando numa única data. Num único aspecto fatal para maioria dos seres humanos. O fim da estética premeditada, o código genético das células enviando a mensagem em forma de símbolo. Em forma de signo corporal!

De seus dedos o fio desprendeu, atingiu o ar... Caindo no vazio de uma camuflagem pelo piso. Não se arrebentou, ficou intacto entre montes invisíveis de pó na beira da cadeira. Designando sua a velhice no chão!

Comprovando inevitavelmente que rostos velhos são mais do que imagem que se deparam em nossos olhos diante a rotina.

Mas aquilo tudo não vinha com fim cravado nas entrelinhas.Não vinha como presságio de despedida de tudo. Não! Pelo contrário... Havia vida nova ali! Estágio de mundo novo, de exploração. Recém explorado.

Começando num novo titulo...

O primeiro fio era branco e caíra no chão...O primeiro, só o primeiro!