segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Parestesia (Por Gabriele Fidalgo)


Guardei tua carta, enquanto vasculhava a mente em busca de palavras que pudessem justificar todas essas coisas que você me diz com tamanha mágoa. Meus olhos deslizaram pelas linhas tortas das tuas palavras duras, e eu tinha vontade de afogar-me nesta raiva exacerbada com que me espanca. Me batendo com frases diretas, segurando-me pelos cabelos, apertando meus defeitos, e sufocando a lembrança viva do meu pensar confuso.

É verdade, eu enfiei um estilete curto e afiado dentro de você. Vi teu coração bater, e, mesmo assim, insistia em não retirar a venda posta em meus olhos. Meu receio era te ver com os olhos quebrados e com lágrimas inevitáveis escorrendo pelo rosto. Tive tanto medo do sentimento que pulsava em teu peito, que pulei de teus braços para cair num chão frio, áspero, seco. Tanto medo de acabar completamente coberta por teus lábios, que corri o mais rápido que pude, tampando os ouvidos e soando frio. Você me olhava perdido, me observava desencontrado da realidade, engolindo as palavras erradas que eu te disse, quieto.

E eu sei. Sei que eu deveria ter sido devorada pelo fogo com que você aquecia as minhas noites claras. Minhas noites confortavelmente aconchegadas pela tua voz forte e por teu sorriso leve. Noites que abandonei numa estação de ônibus, após descobrir tua passionalidade.Li tua carta esperando que soubesse o que estes verbos significariam em mim. Torcendo para que compreendesse que uma carta de amor mal resolvido, tem poder de revirar todas as canções antigas e deixadas num armário qualquer.

A tua ortografia me faz pensar que a solução é chorar. A lembrança dos teus olhos apertados e colados aos meus, provocam dores impossíveis de serem descritas, mas mesmo assim eu as revelo para você. Aperto-me contra uma folha de papel, e faço confissões que não poderiam ser perdoadas. Arrisco-me ao menos uma vez em tua vida. Ao menos para dizer que é minha culpa, a tua ferida. É tarde demais, você sabe. Eu errei com a fraqueza que você não conhecia. Deixei tudo assim, desarrumado. Deixei no teu corpo meu gosto transformado em podridão. Deixei em teus cadernos a marca da minha ausência.

Deixei no teu café o gelo do meu descaso. Descarada, errante, pequena para os teus sonhos grandes e para as esquinas da tua cidade.É tarde. Peço perdão por ainda precisar decifrar nossa despedida.

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