sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Espirro


Enquanto a motocicleta descia a imensa ladeira um espirro soou pela minha audição... Não vinha das moscas, quem dera as moscas pudessem espirrar! Não, pelo contrário era um espirro aberrante, feito de sons guturais que só podia ter vindo de um ser... Um ser humano!
Mas quem além de mim (Filho da espécie dominadora e mais desleal, habituada neste planeta) pertencia aquele espirro? A pergunta fora cretina, pois como eu havia dito estava numa moto e nada mais lógico e dedutível que o piloto tivesse espirrado!
Sendo que não havia outra pessoa por perto e a moto não pertencia a uma classe alienígena com poderes. Aceitei que o espirro havia vindo da frente, foi então que olhando para o piloto (que não era eu) disse:
— Isso foi um espirro?
— Acho que sim!
Respondeu o piloto, enquanto a moto chegava ao asfalto. As luzes da cidade retratavam que a noite havia chegado, se aquelas luzes falassem com certeza a frase dita seria: “Bem você está na cidade”.
— Seu espirro?
Agucei outra pergunta, ainda criando especulações sobre o espirro.
— De quem mais seria?
Respondeu o maldito piloto com outra pergunta.
— Meu! Ora!
Afirmei respondendo a outra pergunta respondida pelo piloto.
— Mas você não espirrou. Se tivesse espirrado, eu teria escutado...
— Como você iria escutar sendo que no momento estava espirrando. Alias como sabe que não foi o som do meu espirro que alucinou você a pensar que espirrou? A moto pode ter balançado e você pode ter pensado que espirrou. Sendo que não espirrou, pensou em espirrar enquanto na verdade eu espirrava.
— Eu sei quando espirro, não sou burro!
Deduziu brilhantemente o piloto. Nesse momento a moto já estava num ponto perto de algumas casas. Veio um pouco de silêncio e quando o assunto do espirro parecia acabado, agucei outra pergunta:
— Como você sabe quando espirra?
— Que pergunta idiota, apenas sei! Você quer uma explicação cientifica?
— Pode ser!
— Um espirro é reação convulsiva e involuntária de defesa do pulmão, garganta e o nariz. Pode ser causada por uma irritação alérgica ou apenas por bactérias que interferem no sistema respiratório. Na antiguidade tinha-se o habito de dizer "deus" a quem espirrasse, assim: “Deus te crie”. Ah! quase ia me esquecendo, quando um espirro era soado, achavam que a pessoa que espirrou estava sendo xingada...
— Como você sabe tudo isso?
Perguntei pela primeira vez perplexo com a resposta inusitada, afinal não é sempre que uma pessoa encarna um dicionário biônico.
— Eu assisto Discovery Chanel.
E novamente para o meu espanto fiquei perplexo outra vez, agora pela resposta que não atingiu a expectativa que eu esperava. Sem pensar muito sobre o tema comecei a improvisar com minhas palavras minha idéia de um espirro:
—“Espirro com a força que me resta, matéria que sai de mim, altura limitada. Voem meus medos, que saiem as partículas... Espirro o que me faz mal, o ar inalado, o tempo tragado. Espirro em A, com T e final de CHIM. Espirro para não lembrar o que será de mim”.
Quando acabei a improvisação a moto havia parado, e o piloto sutilmente disse:
— Ficou bom por que não escreve?
— O espirro ou a poesia?
— O soneto!
— Soneto com espirro ou espirro em poesia?
— Poesia em soneto com resposta sobre a história desse espirro.
— Pode ser, mas...
— Mas o que?
— MAS.... —um espirro enorme arremessou de minha boca— Droga!
— Quem espirrou?
Disse o piloto já ligando a motocicleta e seguindo caminho.
—Droga vai começar tudo de novo.
Daquele dialogo findou-se somente o silêncio. Assim como o apagar de cada espirro, o que fora aproveitado de tudo aquilo? Nada! Pois ainda assim era um diálogo.
Daqueles inúteis feitos na ocasião, por dois amigos loucos que seguiam rumo à civilização.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Parestesia %2


Escrevo estas linhas na escuridão que me deixou com tua resposta. Registro essas letras com o vazio que atormenta meu estômago. Passei todo esse tempo suprido por calmantes que induzem uma inconsciência. Meus olhos guardam estigmas de insônia, e meu leito mantêm o calor do inferno. Mas de tudo, o que mais sinto é essa chuva que dissolve toda minha desgraça. Eu não quero entender como dilacerou meus sonhos de amor pleno, ou como me fez em migalhas arremessadas à praça para que os pombos pudessem aliviar teu consolo. Eu fui sua peça substituída, seu retrato quebrado, os cacos do espelho que se partiram. Meu sangue coagulou em teus olhos, minha alma fixou em teu peito cicatrizado. Me pergunto então quais foram os motivos de tudo isso. Como pude sentir o escarro em lábios nos quais delirava em beijos? Mesmo sem querer fui obrigado a rasgar as fotos, queimar nossos presentes e tampar meus ouvidos para vida. Eu perdi tudo o que acreditava, quando li nos espaçamentos de seu diário a palavra tempo. Fui sendo despojado com o vazio de seu despejo. E quando a última esperança derramou em meu peito, os fatos comprovaram que meus valores foram eliminados um por um. Sei que enquanto vagava pela rua embriagado de tristeza, você esbanjava nossas palavras com outra pessoa.Tirou-me dos teus braços, através de outros abraços. E me forçou a enxergar isso de perto, a observar que já não existia em tuas palavras. Que eu não valia mais em tuas cerimônias. Que era apenas um pouco de pó acumulado na prateleira dos fundos. Nada se resta e nada se compõe. Se não em mim. Sinto-me culpado, humilhado por todo esse sentimento que ainda persiste. Sinto-me humilhado por saber que por toda minha respiração, eu ainda tenha você como principal oxigênio. Que de todos os cabelos longos que observo é o teu cheiro que dilacera minha carne. Meu ódio mescla á esse pseudo amor e meu âmago reage quando limito meus olhos a te observar. Jamais serei este seu. Jamais serei aquele que segurará a tua mão. Jamais serei a boca que toca a sua. Jamais serei êxtase desejado por seu peito enquanto transpira de paixão.O que me resta é deitar naquela cama e induzir o sono. Transformar-me em morfina até que não reste mais nada de mim e de você. Até que não sobre nada dessa inacabável parestesia.

sábado, 13 de setembro de 2008

Meus vinte e tantos nada



Ouvidos fatigados pelo som.

Fração diminuída já se faz metade de alguma coisa. Coisa que some e atingindo um numero novo: "calendário". Hoje de ante ontem. Mão desigual aplicada em circunferências por todo canto.

Deus! Já é vinte?

Por que?

Vinte capítulos num livro, vinte fábulas sem final...
São pontos, alguns com virgulas outros pedem interrogação, mas ainda há reticências.

Há o agora, há o nunca... Nunca mais, nunca mais... Deus! Vinte, será vinte? Por quê?
Nestas ruas estão meus fragmentos, nessas curvas desenvolvem meu lamento. Não há um blues, mas há solidão.

O escuro, à noite... Todos fragmentados em partículas exatas nas lentes negras: óculos. Enquanto houver um suspiro, enquanto eu for campos de morangos.
Haverá eu, haverá vida...

Talvez uma coisa sem senso, desestruturada por aqueles que estão numa parte de seu peito.
Talvez... Seja alguém, tão abandonado e acolhido. Transformado em ponto de ônibus, escadas rolantes, estações de trem. Cada um mexe com algo mais, além de movimentação de gente.

Deus! Ainda vinte? Por que?

Amanhã será trinta, vinte um, vinte dois... Mas hoje é vinte... Desolado, improvisado entre meus ouvidos fatigados.

Entre minhas promessas de aniversário.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Efêmero (Meu amor)



Meu amor foi embora, está do outro lado da calçada. Sentado nas praças, nos olhos dos casais que se amam.

Meu amor fugiu, está degolando todas as prostitutas no farol. Meu amor está nos braços do diabo, nas encruzilhadas do centro.

Meu amor...

Não mora mais aqui, morreu de overdose. Escapou com o ultimo tiro. Liquidou-se dentro do corpo daquela garota.

Meu amor estava louco, cavalgava pelas selvas dançando ao luar... Cavalgue para longe meu amor. Cavalgue meu amor, enquanto meu conhaque deixa a floresta em chamas.

Meu amor está preso, permanece atrás das grades, pegou doze anos... Por sangrar-me a carne.

Meu amor... Numa gaita rancorosa, numa garrafa de absinto. No retrato daquela donzela, nos lábios daquela senhora.

Amor que foi embora, um dia verei sua volta?

sábado, 6 de setembro de 2008

Foi-se

Aconteceu tão rápido, apesar do sono eu estava acordado.
Aconteceu sem menos saber se ainda era dia. Caminhei por tantos jardins decorados, visitei tantos pés de ipês amarelos. E ainda assim a primavera não veio.
Flores descobertas, folhas incertas tão certas de outra estação.
Ainda é inverno se o sol brilha? Ainda é inverno se o alto da serra inspira?
Meu coração sente fúria, meu olhar desaba em plangência... Imaginei ser primavera quando tudo não passou de um verão frio.

Não!Eu renego dizer que sou de inverno, que este inverno fecunda meu coração. Jamais vi inverno que fosse feito de verão.

Se não....

Se não...

Foi-se a impressão, duma primavera outrora inverno e noutra verão.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Vislumbre essa aurora esquecida

Acorde para uma manhã pálida, faça um dialogo com o céu de mármore fúnebre. Cite todas as quedas, todos os enganos. Todas suas desilusões por ter existido.

Transforme todos os carinhos em acidez, todos os beijos em escarro.

E engula o teu rancor com o mesmo sabor que degustas um chocolate.

Durma contando quantos corpos ainda apodrecem em teu cemitério, escute o lançar dos gritos de pânico em seu travesseiro.

Resgate seu ódio em troca de todos os perdões, resistas a essa dor e encontre o escuro. Ou deixe que escuro absorvas tua dor.

Guie-se pelo silêncio e não se importe se todos se importam, simplesmente ignore todas as palavras de calma.
Decline até a forca, traga a essência de um rubor, puxe a força de um escárnio. E aguce o teu sorriso para a parte negra da lua.
Queime todas as fotografias, alavanque seu orgulho....

Deixe-se fenecer todas aquelas merdas que nunca ousou conceituar de merda.
Deixe as vozes tristes, escreva poemas de ultima estância existêncial.
Por um dia perca esse maldito equilíbrio. Beba dessa taça gelada e incolor. Enxergues a verdade sobre o amor. E quebre todos os corações possíveis, assim como fizeram ao que está dentro de seu peito.

Uma vez deixe que felicidade se suicide
Uma vez mais, acuse o mundo e não á você

E faça de suas emoções o lixo que a sociedade um dia o fez acreditar que é. Mais uma vez vislumbre essa aurora que jaz esquecida em tua memória.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sobre placas e cores.

No chão sinto o asfalto morno, escuro e ausente de cor.
Cor que se destaca de meus cadarços amarelos, entrelaçando meu pé, aguçando a vontade de correr sem olhar para trás. Minhas linhas ficam desnorteadas com peso das vidas que me cercam. Como citar todos e mesmo assim não conseguir citar ninguém.
Desconhecidos e conhecidos passam por mim, acho que os vi no natal... Ou foi ontem? Não me lembro de muita coisa se não de minhas dores e pesares, tinha que ser vinte? Talvez doze ou até onze, mas vinte é sem razão. Muito tempo para quem ruma sem destino, para aqueles que resguardam o infinito nos minutos. Deduzo meu tempo enquanto ando olhando o tom azul no fundo das placas. Aquelas situadas no começo das avenidas, placas que nomeiam as ruas onde o meu destino é atraído.

Vejo cada nome estranho.

A esquerda um “Deodato Werteimer”, e logo no cruzamento um “Barão de Jaceguai”.

A maioria se esquece do costume de nomear uma rua, essa crença ligada à lembrança existe desde a antiguidade quando os índios contavam histórias daqueles que partiam. Citavam grandes feitos, e o nome do privilegiado por assim dizer era imortalizado em torno da fogueira através dos contos.

Somente os grandes viravam história para inspirar os menores.

Hoje temos essa glorificação em meio das placas azuis, desprezadas pelos olhos da população, vidas que marcaram diversas pessoas, desconhecidos que viraram sinônimo de alamedas ou travessas. Lembrados somente quando pedimos pizza ou quando as cartas acumulam em cima da mesa. Acredite o nome que retrata sua rua foi uma pessoa, existiu teve medo e fecundou de forma tão majestosa a vida que acabou virando uma placa.

Certas coisas em nossa existência são assim, quando humanos viramos placas e de placas viramos rua.

E assim exatamente quando penso na ausência de cor daquela mesma rua, penso no nome em questão. Imagino quanta história está gravada naquele piche incolor e vejo milhões e possibilidades dando vida através de um nome, de um feito...
De uma alma que aos poucos se torna cheia de cores. E torna-se bem mais que um simples nome, bem mais que uma rua qualquer.

Torna-se parte de mim. Vida.