domingo, 26 de outubro de 2008

Sobre casas e velhos. (Curas e venenos)


Todos dias que cruzo o centro da cidade vejo aquela velha casa. O céu pode estar claro, ou o dia pode estar chuvoso, sempre encontro um modo de cruzar meu caminho com a estranha moradia. Ela está em todos os jornais, destaque por sua arquitetura requintada com portões ingleses e janelas bem adequadas do sul da frança. È um monumento do passado assim como o seu dono. Um senhor de cabelos grisalhos que recostava sobe o jardim todas as quintas feiras tirando novas ervas daninhas que teimavam em obscurecer a vista de suas roseiras.
Quando pequeno eu acreditava nas fábulas vindas das conversas cruzadas. Diziam sobre vampiros e um homem que velava o corpo da falecida esposa. Lendas urbanas criadas pela imaginação das crianças mogianas. Mesmo que as histórias sobre o velho fossem absurdas eram culpadas por me tirarem o sono de noite. Isso durou até os dez anos, depois aos treze eu mesmo criava lendas para tirar o sono dos outros. Quando me tornei mais velho, tive meu primeiro contato com o senhor dos pesadelos antigos. As roseiras estavam mais desgastadas, e a grama morria por falta de cuidado. O velhinho estava doente seus anos já pesavam acima de cinqüenta. Quando cruzei a calçada e percebi de súbito que o velho estava fora da casa soube que não deveria perder aquela oportunidade. Cheguei em frente ao portão e logo cumprimentei o velho:
—Bom dia senhor!
O velho nada demonstrava e continuou irrigando as roseiras. Mesmo afoitado eu tentei de novo:
—Com licença Senhor, eu sou da área de turismo aqui da cidade. Gostaria de tirar um foto da casa. E se pudesse me contar um pouco da historia eu ficaria imensamente...
—Nada de fotos
Gritou o velho, quando eu sequer havia acabado a pergunta.
—È eu que gostaria de mostrar essa casa para...
—Eu disse nada de fotos!
Cortou pela ultima vez o velho.
Depois da ultima resposta em tom grosseiro, eu já havia perdido todo interesse sobre a casa. Sobre as histórias da infância, mas a partir dali me perguntei o que acontecia com aquele senhor... Por que ele tinha tanta amargura de vida? Sempre quis saber o que deixam as pessoas amarguradas? Se está causa pode ser devido aos relacionamentos de vida que não deram certo, pois dizem que um coração despedaçado é incurável. Ou pela forma que somos criados, uma mãe desatenta, ou um pai agressivo. Existem complexos que transformam personalidades únicas em pedaços de fúria induzida. Às vezes é o fato de um coração bom se chocar com a hipocrisia do mundo. Existe tantas formas de se manchar a alma alheia, que não posso culpar aquele velho por ter sido tão rude. Não posso culpar, pois acontece comigo também. Há períodos que o veneno da vida é tão grande que disparamos em quem chegar perto, mas no fundo isso não passa de um instinto de proteção.
Casca de impacto, amortecendo o dano penoso. O problema é quando este mal absorve tudo o que a pessoa possui. Daí vem à solidão, o que é cheio fica mais cheio ainda. Cheio de ausência cercada por você mesmo . Sinceramente, acho que isso é automático, ou você nasce escorpião ou é afetado por seu veneno. A diferença está em que procura o contraveneno. Penso que esse antídoto é como o ciclo social, assim como existem pessoas capazes de causar o envenenamento (alguns involuntariamente e outros nem tanto). Assim também existem aquelas que podem cessar processo ou até curar definitivamente.
Pois todos somos adeptos dessa ulcera, mas temos aspirinas no bolso da camisa. Basta saber dosar.

domingo, 19 de outubro de 2008

Relato inconstante numa noite de adeus. (ou "O que é isso mesmo?")

Eu não sei por que, mas certas vezes vejo uma espécie de lodo social. Às vezes não sei por que, aparece do nada, cheiro mal que enfoca a madrugada. Milhares de fatores, gangrenas que apodrecem. Sempre estão ali por todo lado, não há por onde passar. Não há por onde se esconder, as gangrenas exalam a podridão. Chagas social, vizinhos intrometidos, Lagoas imundas com milhares de abortos naturais. Pense! Escolha! Essa podridão dispõe de outras escolhas ao invés de uma só. Abusos de sistema, abuso autoritário são tantas definições que às vezes dá pena de acordar no dia seguinte. Sabendo que tudo é esse lamaçal, toda essa escuridão em vida humana. Saber que essa podridão está em mim, em ti, em vos. Somos latrinas transbordando lixo, somos veneno concentrado em flechas. Apontadas para os corações mais simples, poluindo almas. Descobrindo que humanidade ainda é vírus.
Ah! como eu quisera um dia ser pássaro, como quisera mudar as luzes do pisca da minha arvóre. Tantos anos já medidos em meses. Amigos que passam, outros apenas se matam dentro da gente. Tantos talentos inutilizados e ainda essa incompreensão é latente. Um abraço é tido como o disparar de uma arma, existem pessoas que não ficam satisfeitas em assumir uma vida. Querem mais, o desejo embolorado de mandar nas outras.
Eu morro naquela esquina todos os dias desde que vi você. Sim! eu me deito para os corvos manipulando minha humanidade. Eu mergulho naquele lodo todos os dias desde que te esqueci, sou este poço de desespero. O modo ruim de olhar para o rio sujo, para a criança faminta. Eu encaro isso de perto, são partes das minhas escolhas de vida. Sentar na varanda e enxergar até que ponto a bala vai atingir o alvo. Sim! isso é uma palavra de adeus, talvez um tchau para mais tarde ser um até logo. Mas ainda vou passar despercebido naquela esquina, pensando que acredito em dimensões diferentes. Porque este é o único ponto aceitável dessa realidade irreal.

Eles desligam os aparelhos, mudam sua rotina e retiram você de mim. Poderia contar quantos desenganos eu tive? Poderia medir quanto minhas canções repetem no rádio? Por deus é necessário dizer adeus, mas não éramos amigos? Não me venha desejar feliz aniversário, dizer palavras tolas para acreditar que tudo que fiz foi dar conselhos de graça, companhia desnecessária. Acho que esse tal inferno astral é irreversível, tão pouco acordei e já quero cortar meus pulsos. E nem sei, já chegamos as onze? Queria que alguém ai respirasse. Respiras?

Eu vou te ligar amanhã tudo bem? Perguntar por que sempre me rendem nessa cruz. È necessário estes pregos? É necessário pedir para partir?

Não vá me levar a mal, é que às vezes eu não sei por quê... Simplesmente queria perder essa compreensão que tenho de tudo que é você. Afinal não é sempre que pedimos sutilmente para “se apagar”.
Não vá me lavar a mal, é o que eu acho. Somente o que acho, mas não tenho certeza!

sábado, 18 de outubro de 2008

Destituído


Sou órfão abandonado na sarjeta, de sapatos esburacados.

Deixado de lado, coração quente.
Olhando pra todas aquelas janelas da cidade.
Sabendo que não tenho ninguém para voltar à noite.

Sou um largado de coração mole, aos prantos nos cantos estirado à saudade.
Saudade de mãe fugida, de pai ausente.

Saudade de criança abandonada no meio da rua...
De Minha amargura, sem brinquedo nem lua.

Sou criança medrosa, xixi na cama. Medo do escuro nulo sem paz em mim.

Sou infância sem roda, sem ceia nem moda, que anseia por colo de vó.
Meio semente sem solo, feijão que cresce no algodão.
Tô deitado no chão, nem mesa com pão.

Órfão assim da imensidão.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Morfina



No coma induzido, ele dorme imaginando um mundo cheio de esperanças...

Grita o nome da felicidade, o soldado está de volta a casa novamente. Um bolo de carne é servido a mesa, cheiro do molho vermelho com pedaços de pimentão. O ar fraternal parecia distante naquele campo de fuzilamento. Certas vezes o soldado ainda ouve os tiros, mas tudo não passa de uma lembrança distante, presa num outro canto do mundo. As borboletas que pousam na janela são mais significantes do que aquele pesadelo. Algo sobre um corpo em chamas. Algo que sua mente precisa esquecer, mas tudo está bem. Um dia a mais, um dia a menos e o esquecimento virá. A ocupação com o campo as palavras do pai na mesa do café, as costuras da mãe na varanda... A vida é linda. Com giz ele escreve no chão do quarto “sou um sobrevivente”.

Mas a morfina acaba depois de um dia. As dores da drástica amputação vêm à carne, o soldado abre os olhos. Então sente o cheiro do álcool impregnado nas paredes, é um hospital. Tem camas brancas e uma maca ao lado de um corredor cheio de cortinas remendadas. O soldado lembra-se dos tiros, do sangue derramado, e logo ouve os gritos dos pacientes que estão ao seu lado. Tenta se levantar, mas não pode... Pois está sem as pernas. Não há nada ali, além de um vazio e ataduras banhadas com sangue velho. Ele vê a realidade, sente a realidade e quando olha para si percebe que está gritando.

Um grito de agonia, áspero e latejante que aos poucos desperta a atenção dos enfermeiros. Estes correm aguçados com seringas cheias de morfina... Injetam fortemente em sua veia em segundos ralos a dor do rapaz é trocada por uma sensação de calma, por ter os músculos relaxados. Logo os olhos do soldado vão se obscurecendo notando aquela casa de campo outra vez... Algo que expande o sono e logo, as pernas renascem, os gritos cessam e pássaros estão cantando novamente. O soldado está de volta a casa novamente.

Somos todos soldados largados numa cama de hospital. Com a impressão de ter o controle da felicidade mesclada nessa ânsia de bem estar. Temos morfina no sangue, morfina nos olhos. Morfina que cessa revelando os trechos bizarros, mostrando que realidade não passa de uma dose alta e durável. Permanece no sangue e depois é liberada na urina e no fim o que se resta é saber que por mais que conseguimos sentir nossas pernas, ainda sim permanecemos aleijados.

sábado, 11 de outubro de 2008

O Pierrot que não se tornou Arlequim


Colombina:

Olha-me assim, Pierrot...
Os teus olhos, Pierrot, são lindos como um verso. Minh’alma é uma criança, e teus olhos um berço, à luz do teu olhar, tenho ânsias de dormir, para poder sonhar!Os teus olhos dardejam! São dois lábios de luz que as pupilas me beijam...
São dois lagos azuis à luz clara do luar...

São dois raios de sol prestes a agonizar...

Olha-me assim Pierrot... Goza a felicidade de poluir com esse olhar a minha mocidade aberta para ti como uma grande flor, meu amor...meu amor...meu amor não pode ser seu, e sim do Arlequim...não chores meu doce Pierrot!"


Às vezes sem escolha nascemos assim, berço de carnaval. Rosto pintando em cores numa lágrima que desliza a sós. Da face até os joelhos, provando que sua ingenuidade foi abolida.
Sem escolhas o nomeiam de "Pierrot". Fixam teus olhos numa máscara presa neste baile de hipocrisia, e assim sem querer te deparas com aquele velho espelho e vês teu rosto coberto de silêncio.
"Onde foi parar todo aquele amor?".
Tentas empregar resposta a pergunta, mas os ecos não são tão fortes para que te faças ouvir.
Eis um Pierrot e nada mais, encarnação de todo esse amor ingênuo. Reverenciado por ser semblante de um amor puro e enteralado. Sozinho, igual à lágrima que guarda a sois em teu rosto.
Sabes que toda essa pureza que guardavas com precaução fora perdida naquela ultima troca de pares. Sabes que o fim está próximo, e seu amor renegado causara a sequela de toda uma existência. E de tua roupa cinza, agora haverá tons verdes , azuis e amarelo. E de teu rosto pálido, agora haverá um tom vivo conjurando sombras vermelhas.
E de Pierrot apaixonado a findar, Arlequim iras se transformar.

Então de todo aquele amor, sobrarás apenas as apostas de galanteios baratos... Das conquistas antes tão sentimentais usaras teu verso para consagrar a glória, somente da ida até a cama.
Tomarás a sobra de todos os sonhos, de todos aqueles seios descobertos. Nos bailes depois de enjoar de todas as damas e messalinas, irá atrás cobiçar o véu de cada Colombina. E quando conseguir a façanha da face. Somente os cacos irão fazer você notar... Que como Arlequim acharás teu coração! Quando outrora era Pierrot e este foste de ti roubado.
Mas tome cuidado Arlequim! Pois se te fizeres pensar... Desta máscara vai-te abendicar... Quando topares com lágrimas de colombinas a brilhar! Assim tão vil, lembrarás que naquele carnaval o final consagrou. Não só teu lindo choro, mas a velha alma que o chamou de palhaço nobre fracassado.
Pois neste ponto tu serás o unico, pois em coragem arrancará o coração, para voltar co mesmo prélúdio taciturno...Oh! Assim outra vez Pierrot.
Sentiras solidão outra vez. E Terás novamente a mesma dor de toda aquela ilusão. Por saber amar demais...
Serás Pierrot novamente por não conseguir retirar os sonhos de Colombinas que irão segurar a tua mão. Serás isso então, um maldito fadado pela a eternidade a perder sempre sua musa.
Tú meu Pierrot tristonho que renegas em ser Alerquim por não conseguir desmontar os sonhos dos corações como fizeram aos teus...
Não chores ainda! Ao invés disso....Dorme-te Pierrot abandonado! Dorme-te Que irás ter uma colombina que entendas teu choro consagrado. Que te faças esquecer toda essa dor. E que não te desfaça como peça inacabada, dorme-te meu Pierrot e sonhe com as mais belas esperanças.
Pois todo carnaval terá este mesmo final.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Crônicas De Mim Mesmo: Antes das duas e meia


São quase duas e meia da manhã, posso dizer que os dias são iguais! Mesmo tendo nomes comuns não vejo diferença nas segundas ou nas terças feiras... Ambas passam com a mesma cota de tempo exato.
São de fluxos iguais, estabelecidas de manhãs, tardes, e longas noites. As quartas são apagadas, refletem as terças, que não são nada originais! Nas quintas eu canto, às vezes um pouco de "Fouré" emendando com "Tom Jobim". Sextas são de um complexo terrível, de uma realidade estranha... Lembram-me dos sábados que antes aguardados com tanta expectativa, hoje são vividos com o desdém de dias comuns! Às vezes eu me canso dessa intensidade que é viver no auge de cada sentimento como se não restasse nenhum, porém!
A felicidade é imensa nas vozes, imitadas nas piadas sem razão. Humor para não morrer mais cedo eu acho.
Drummond dizia naquele velho verso que tudo pode acabar menos o humor. Só que às vezes, ou melhor, na maioria de todas elas... O humor é uma arma insensata presa na máscara social da falsidade involuntária! Os risos de fuga, a euforia transbordante, os pulos e gritos quando a luz acaba numa sala de cinema.
Usurpados quando a porta do quarto se fecha, daí dizemos: “Bem vinda Solidão, evitei você por tanto tempo e ainda assim, se lembra de mim?”. O barulho do nosso coração acelera e somos tragados de novo ao estado de silêncio.
Não importa quantas velas de aniversário são acesas a festa acaba no dia seguinte! È uma questão de tempo para que tudo volte aos dias normais.
Quintas, sextas, sábados, semanas.... Meses e eu estou aqui digitando pedaços do que sinto pesar!
Penso que escrever é certas vezes nos despir de nos mesmos, deixar enraizado o que sentimos. Medos, traumas, danos e amores perdidos. Não importa o tema, é sempre uma amostra que permanece latente nas profundezas de todas as sinceridades do que tentamos esconder!
È algo pulsante e inevitável, afundado nas entranhas do mar morto. Além de toda consciência expondo o nosso coração.
Digo que é uma forma de apostar na compreensão alheia, de entregar textos a deriva dos olhos de um estranho. Oferecendo traços de seu plano mais íntimo.
É como abrir a porta e deixar a vizinhança entrar. O primeiro choque vem com a situação da mobilha. De todos aqueles moveis desgastados e almofadas esburacadas. Depois o embate com as cores da parede, sem tom ou combinação misturando laranja com verde claro.
Simplesmente é assim invadem todos os cômodos de sua casa, pedem para morar com você, roubam-lhe os quadros. Quebram sua louça, sujam o seu salão. Expiando sua escrita ao ponto de absorver tua alma!
Escrever pra mim é necessidade que pulsa. Necessidade de mostrar que existe "algo mais" por trás desse garoto de boina preta que vos redige a palavra. Sei que essas linhas aqui preenchidas, são as mesmas que traçam a palma de minha mão. Algo cheio de silêncio enquanto, minha alma admira o luar.
È o que penso quando estou aqui beirando a madrugada, com os dedos latejantes de tanto digitar. Revelando meus desesperos em contos de três partes, com algumas poesias sem rima... Para que alguém além de mim possa cogitar nessas palavras o antídoto que espero tanto encontrar! Talvez essa cura esteja mais perto do que eu possa imaginar... Além de todas essas fotos, além de toda essa madrugada angustiante.
Talvez esteja nos olhos de ti, leitor(a) que neste teu leito invade meu leito, de maneira sublime e inesperada. Propondo estes ombros virtuais para que eu possa dizer o que faço nessas duas horas e meia que madrugam minha mente.
Estás folhas que de folhas só sobram a idéia, responsáveis por meus dias terem cores e estimas de um novo “viver”.
È desta cura vos digo ter um novo dilema para se escrever. Moldar e juntar num grito que enquanto tiver forças se findará além das duas e meia de um relógio velho. Além de um coração que invade. Além das três... Ora! Já são quatro!

sábado, 4 de outubro de 2008

Paliativo III "Olhos de cristais"


Eu queria que pudesse escutar as batidas de minha sina. Queria poder enviar essa eternidade de milênios na chuva, queria ver sua pele arrepiada pelo frio. Frio que me trouxe lágrimas.
Eu que sempre fui um observador nato do crepúsculo, hoje escondo estes olhos de cristais. Atrás do meu espelho, no chão estilhaçado. Os deuses causaram essa dor, agressivos raios de Júpiter, entrelaçado no sangue de Baco.

Condeno minha eternidade de Outubro, condeno meu destino numa garrafa de vinho. Meus olhos de cristais, ingênuos olhos que me findam. Meus demônios da meia noite, meu artefato de você. O que me restou daquela ultima tarde, o que me restou dela... Através daqueles mesmos olhos de cristais.
Lembro-me do sol, da chuva... Das árvores frutíferas do escuro naquele quarto, pouco a pouco
absorvendo minha alma.

Lembro dos risos, do cheiro doce dos teus cabelos. Eu me lembro.

Havia violinos e um piano, havia esperança. Havia serendipiedade.
Toda magia desencantada, não fui Jack, nem você Sally.
Não tivemos o nosso Halloween e fui obrigado a rejeitar o que sentia gota por gota me tornando algo cheio de frieza.

Juro! não queria pegar aquela navalha e perfurar teu coração. Cortar os teus pulsos e te matar aos poucos, vendo o que era nosso morrer. Não! Matei a mim mesmo, desferi todos os golpes no meu corpo. Matei-me aos poucos para chegar até você. Para dizer que tudo o que houve, não me constou em nada além de causa imprópria. Daquelas que são mais pesadas do que garoa, parecidas com tempestades. Mas somem com a vinda do sol.

Eu? Culpado, por deixar ser levado por uma encenação barata. Por palavras sem vínculos, acreditando crer que era peça rara. Quando não passavas de mercadoria qualquer, posta em liquidação. Culpado por te achar feita de cristal fino quando tu não passavas de um copo plástico descartável. Jogado no chão infértil, causando dor ao solo enlouquecendo o mundo.
Você? Culpada por quebrar os benditos olhos que para sempre lembrariam tua existência. Você, tão fútil como as outras, imatura imaculada. Individualista por viver, você.... Desperdiçadora de sentimentos que jamais sentiu. Que jamais teve olhos assim, cristalizados por lágrimas, frágeis como vidro. Olhos de cristais.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Na margem


Ele caminhava através das poças de água recém formadas, cinco horas haviam se passado e somente agora o sol reaparecia bem no final da tarde. O trafego seguia acompanhado com o coro de buzinas e o ronco dos motores, os pedestres fechavam os guardas chuvas. Ele sequer tinha um guarda chuva. Levava as gotas da tempestade no ombro enquanto sua pele continuava numa cor pálida devido à falta de comida. O vento fazia curvaturas em sua mente, sua língua ainda guardava o paladar amargo da bebida do dia anterior. No começo ele desprezava as doses impuras de aguardente, mas com a chegada do inverno aquilo era o único elemento capaz de oferecer calor. E assim ele foi se acostumando aos poucos com o aquele liquido forte que as garrafas de vidro ofereciam. Havia alguns privilégios que só o álcool trazia nada mais que o esquecimento momentâneo de sua vida. Por segundos famigerados, ele não se lembrava do cheiro de urina acumulada entre os farrapos de sua calça ou do perigo da noite entre os becos que aprendeu a chamar de lar.A bebida aliviava as dores de estado, transfigurava a realidade, o fazia esquecer a condição de morador de rua. Bicho solto, homem sem lugar. Quando o vento trazia o sopro gélido noturno, aqueles olhos amargurados procuravam por jornais na boca do lixo. Os sacos pretos ofereciam a ceia da madrugada, bastava uma boa revirada e um pedaço daquele lixo se transformava numa refeição não muito digna para um ser humano. Afinal certas vezes até ele mesmo desacreditava em sua humanidade. As pessoas não o olhavam mais como semelhante, e sim como parte da calçada peça camuflada em meio aos estereótipos de vagabundo, mendigo, homem de rua.

O fato era que um cachorro era mais digno do que ele, o cachorro recebia o afeto nos olhos de uma senhora ou nos abraços de uma criança. Singularmente ele estava na margem da sociedade, isolado e restrito no índice de moralidade. Depois de uma longa caminhada o andarilho avistou um teto onde podia passar a noite. Apenas um leve desejo de descanso, o único desejo que podia satisfazer naquela noite. Ele fechou os olhos e logo as lagrimas escorreram pela face deixando um rastro branco devido a sujeira acumulada abaixo dos cílios por toda bochecha. Mesmo estirado a solidão por todos os dias do ano, ela ainda conseguia dilacerar-lhe a alma. Perguntas eram inevitáveis nesse limbo de sofrimento interior. Por quês viam aos lábios, mas nada era respondido, nem mesmo quando deus era citado havia respostas. Tudo não passava de um vazio estirado numa sensação estranha de corpo molhado. Diferente dos outros, aquele ser largado não continha um recinto para se secar, sequer havia uma toalha depositada em algum lugar que lhe trouxesse a sensação que sem demora estaria seco. Ele queria falar, queria ter voz e dizer que alguns têm pouco e outras menos ainda. Mas a voz não saia, só lagrimas por viver a margem de um eterno rio sem canoas. Aquele chão pós chuva o fez lembrar uma senhora assim como ele dona de rua, bem letrada que adorava definir com palavras doces, fundos trágicos. Definia a realidade que afrontava tantos que ali viviam. Dizia ela com mais cana do que sanidade:

“Somos partes da margem, mas vivemos no rio. Afogados de tantos olhos retorcidos, invisíveis para os barcos e sinaleiros que passam a pressa por nós. Dizem de margem, mas é no rio que nos afogam de solidão.”

Desabrigado ele concordava com aquelas palavras. Fazia tanto tempo que ninguém o tirava para uma conversa, perguntando como ele estava, ou sua opinião sobre o tempo. Não era fome que fazia seu corpo despencar diante as calçadas, não era frio que causava aquela morte por etapas. Mas sim essa solidão cheia de gente, por todos os lados “multidão”, mas ainda sim ninguém. Aos poucos aquele homem metade sombra de retalhos outra metade desconhecida das fases da lua. Deitou-se aos poucos no chão frio... Enfraquecido desmaiou, lembrando um nome: José João Roberto Silva”. Morador de rua á vinte sete anos, coração desmontado aos doze, mãe perdida aos sete. Sagrado em sua desgraça, tentou manter-se numa terra longe a dele, esperança desiludida. Anos que não prosperaram, circunstancias adoecidas. Sem ter apoio foi ficando, fincando no chão na caixa de papelão. Sem muito morreu ali dormindo, insuficiência respiratória. Sem documento ou história gravada, nada além de uma imagem da Bahia, lugar que deixou. Morreu ali na margem, enfim afogado na saliva crua da sociedade, não se restou nada de mais nada. Na manhã seguinte quando o sol surgir, depois de alguns dias estirado ao calor. Mais um membro daquele caos urbano apodrecerá, aquela peça moribunda alcançara o olhar dos passantes levando o cheiro de podridão.

E então aquele homem alcançará os olhares renegados, os passos corridos, ultrapassando aquela existência transpassada. E por uma vez terá o mesmo cheiro familiar, comum que demonstrará mudança.(Criara mudança). Sua carne será mergulhada em formol escasso e seu corpo será aproveitado para medicina legal. E mesmo quando não restar nada além de nada ainda assim restará um esqueleto no fundo da sala de genética. Porém mesmo assim será que alguém quando observar tal figura saberá que foi José? Ou João?Quem sabe Roberto?
Aquele que um dia viveu as margens dos becos de algum lugar.