terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Uma constelação para ser salvo II (conclusão)


"Estamos vivos sem motivos
Mas que motivos temos pra estar? "
 (Infinita Higway, Engenheiros do Hawai)

A primeira coisa, quando você tem a nítida certeza que vai morrer, são os olhos centrados, e a sensação de adrenalina que faz todo seu corpo transpirar. Então não há mais nada que passa pela sua mente, se não um leve conforto causado pelo vento, que toca sua face.
Ainda existe o perigo, ele acelera seu coração faz com que seu corpo fique quente e o sangue siga fluindo rapidamente por todo canal, até chegar num ponto que te dá uma impressão que tudo estava dormindo antes do  ponteiro apontar oitenta, noventa e agora  cem.

Torpor e Velocidade.

O ar fresco que entra pela janela, molda seu cabelo num aspecto de liberdade. Uma curva, duas, e a terceira é tão fechada que a sua consciência mal acredita que é você que está dirigindo.

"Engraçado".

Você pensa! Teus pais negam o carro e mal sabem quais são os teus limites de piloto. Na verdade, eles mal te conhecem desde que você veio ao mundo e aprendeu a usar o banheiro. E mal sabem que agora você dirige igual gente grande, atravessando uma paisagem noturna, sendo guiado por placas de curvas acentuadas, amarelas e com faróis que te seguem em alta velocidade à esquerda.

A vida faz sentido de novo, é tudo muito claro, apesar de muito escuro. E você entende a teoria das folhas presas nos galhos das árvores. Seguras e cercadas de outras folhas, que um belo dia são forçadas a irem embora levadas pelo vento a voar por caminhos desconhecidos. Elas abdicam a proteção de tudo e partem para vida, até que o tempo cesse sua viagem. Então elas endurecem e quebram-se em pequenas partículas. para um novo dia unir-se  novamente ao vento.

Eu entendo as folhas, mas não entendo a falta de liberdade que temos.

Chego em meu destino, a estrada e o perigo estão longe, atrás numa colina grande de sombras formada pela própria noite. Paro o carro no acostamento, meus amigos querem ver o mar. Todos nós somos folhas, e a estrada é o nosso vento. A sociedade,  nossa árvore, que variavelmente temos de largar para trás, pegar um carro e sumir no horizonte e brincar  que estamos livres para no dia seguinte voltar. Porque ninguém é realmente livre neste sistema. Somos todos presos à alguma coisa.
Chegamos, e logo pisamos na areia, ela é fofa e o som das ondas ainda me acalma. Tiro minha camisa e vou pouco à pouco sendo submergido pelo mar, deixo que a correnteza me leve. O mar está noturno, tão vivo e grandioso que me faz sentir vivo também. Eu deixo que as ondas me cubram. E as estrelas me cercam de novo, elas estão refletidas nas águas, expostas no céu e no mar.
Acordei de um sono profundo. Sei disso, só agora. Quando uma onda vem com força e empurra meu espírito de volta.

Retorno  à superfície, balanço o cabelo e respiro profundamente. Poderia morrer agora, e estaria completo. Já que tenho certeza que minha existência foi plenamente vivida.

Se fosse embora agora, tenho certeza que meus professores saberiam que mesmo não sendo um aluno modelo, eu fui o mais dedicado, simplesmente agradecido pelo ensino que me mudou.
Sei que meus pais saberiam que todas  mentiras que omiti de lugares perigosos que fui, foi somente por pura preocupação, para  não causar preocupação.
Eles me perdoariam. Sei disso, pois fizeram o mesmo na minha idade. Seguindo cada mistura, cada principio que viram viver em mim.

Dos meus amores que não tive, guardaria o amor próprio. Que bate feito uma percussão acelerada no meu peito neste instante. Então eu poderia ir, sem ficar desapontado por não amar ninguém, pois eu amo. Amo a vida
!E dos amores que tive ficaria feliz. Sabendo que todo carinho que entreguei, foi deveras verdadeiro. Assim poderia partir dizendo que amei profundamente, tendo compartilhado a minha alma em cada lábio que beijei, em cada carta que escrevi. Cada fala de saudade. Acho que assim eu viveria para sempre, nas ondas, nas apostilhas e nos corações de quem cruzei.

Tenho certeza que meu único arrependimento seria de não poder mais sentir tudo isso outra vez.

Digo até logo ao mar. Digo até logo, pois eu sei que mesmo estando pronto para dizer adeus, eu quero viver mais. Sentir as estrelas sobre mim, e brilhar como uma constelação, e assim ser salvo, como tantas vezes fui.

2 comentários:

Luiza Callafange disse...

Contou seu dia foi? :) que dia lindo, deu até inveja. E que bom que te fez renascer para a vida...

maybe disse...

I'm appreciate your writing skill.Please keep on working hard.^^