quarta-feira, 3 de março de 2010

Vertente Parisiense


E o frio entrou pelo portão e pelo jardim, remexeu as plantas... Entrou pelas janelas, dizendo que era o fim do verão.
 Meus pés ficaram gelados, minhas pernas tremeram e meus lábios racharam desde então. O café esfriou em cima da mesa, moldando um circulo perfeito sobre uma folha...Já não tenho a mesma idade, já não é a mesma estação.
Mas o frio sempre é o mesmo!
Aqui o clima não é parado, aqui a garoa deixa uma névoa tristonha pela manhã, esfriando na medida que avança pelos bairros. E lá no horizonte ela fica estagnada como uma fumaça alvejada, o hálito branco passando pelas montanhas.
Tem gente que diz que parece Londres, tem gente que apenas pega uma coberta se senta no sofá e assiste uma partida de futebol qualquer reclamando do frio. Tem gente que só reclama, seja o tempo que for, esteja muito frio, ou muito quente.
Atmosfera parisiense pra mim...

Cheio de ruas de paralelepípedos, e cafés de cadeiras altas.
Bilhetes de eu te amo e um amor a moda francesa. A torre Eiffel ao sul e um cigarro Le Gastón nas minhas mãos... De longe uma garotinha come pipoca correndo atrás dos pombos , o ar frio faz com que eu ajeite o cachecol verde, daqueles tricotados a mão que roubei do guarda roupa do meu pai. O garçom substitui a xícara vazia por outra cheia de chá... Agradeço com um “merci “seco. E volto a escrever sobre as linhas do caderno, apago o cigarro no cinzeiro . Sublinho a última a frase e levo um gole de chá até a boca... È de maçã, e falta um pouco de açúcar. Mas não me importo, só quero permanecer quente para desenvolver esse texto até o último parágrafo. A garotinha que corre em circulo tropeça  caindo de cara no chão, os pombos voam e a pequena se levanta com uma pipoca colada na testa e começa a berrar! A mãe logo aparece para socorrer a garotinha dizendo no idioma que mexe com meu interior em cada fragmento. Eu paro de escrever, noto cada palavra que a moça diz para a pequeninha... Cada” Mon petit”, cada, “t'aime, mon amour!” causa algo inexplicável ao meu corpo... Algo que só o frio era capaz de causar!
Já não me prendo ao meu texto, ou ao chá que esfria rapidamente na xícara.

Eu começo a contemplar a velha cidade involuntariamente, a moça beija a testa da garotinha e eu permaneço ali no frio, sentado na cadeira com o mesmo cachecol passado entre o pescoço, no meio da velha Paris. Ouvindo o idioma do romance, mas eu não tenho aliança no dedo. Não tenho palavras doces a ofertar e nem mesmo os versos que escrevi no caderno tem algum sentimento de romance empregado!
O frio me deixa romântico, o frio me leva até Paris, mas no fim não adianta muita coisa, não adianta porque só tenho histórias tristes de taberna suja, passado em folhas de coração partido!

E o que é Paris sem estar do lado de alguém que se ama? O que é Paris sem ninguém para amar?
A cidade perde o gosto, como a vida também fica sem gosto quando se pode dar um buque de flores e não ter nenhum  destinatário!
E o frio continua a entrar pelo jardim, passa por mim, mexe as cortinas e pede um agasalho acolchoado e um copo de chocolate quente... Já me perco nas minhas vertentes, já não tenho mais açúcar. Já não estou mais em Paris... Acho que nunca estive. Acho que nunca amei ninguém, talvez nunca tenha bebido chocolate quente. Ou entregado um buque de flores antes na minha vida. Não! Eu nunca entreguei.
Acho que não acho mais nada. Mais o frio ainda entra pelas cortinas, e me dá esse Q de romanesco.
Paris?

Paris foi um sonho... só um sonho perdido de alguém querendo alguém!
E eu me subscrevo sem querer...

Saudade, espera... Qualquer coisa.
Droga! Também não foi você.

Au revoir chéri.

3 comentários:

CASSIANE SCHMIDT disse...

Que belo texto, muito bem escrito, vi a menina, a pipoca colada na testa,pude até sentir o cheiro do chá de maçã sem açucar, cheio de doçura. Um bom texto faz isso, provoca emoções, transporta até a velha Paris dos nossos sonhos...

Luiza Callafange disse...

Me senti em Paris por um instante também. Uma vertente parisiense. Mas também nunca estive lá. Também nunca entreguei flores, mas sempre sonhei em recebê-las. E por mais que seja mórbido e triste, eu adoro o frio, que arrepia todo o corpo, que sopra com delicadeza sobre a nossa face, que faz as pessoas ficarem mais pertinho em busca de calor, calor humano, calor amor...
O frio de minha cidade nunca mais foi o mesmo...Sinto saudade dele, que pouco chega, enquanto o sol queima lá fora...

Bárbara disse...

Ahh... Paris! Que sonho! No frio destes dias tenho lembrado mto desse seu texto... E sonhado com seus versos, suas palavras, e com vc tbm mon amour... Lembra dakela noite com mta neblina q passamos? O frio nos revela vontades e sentimentos tão bons de se viver...

Quero vive-los cada dia com vc...

Je t'aime...