domingo, 25 de outubro de 2009

O Velho


Estanco minhas hemorragias fechando as janelas da casa. Sangro pelos poros da mão, mas não sou santo. Pelo contrário, faço parte das palavras de orgulho, das canções de desespero e dos dias de depressão. Eu abandono pessoas, faço com que elas se suicidem de mim... Assim como me suicido delas. Levo gritos em minha mente, coleciono lágrimas dentro de garrafas plásticas. Comercializo minhas repugnâncias e meus desesperos de vida.
As crianças me olham como a lenda de algo terrível. Já as senhoras acham que sou apenas mais um velho solitário. Exclusivamente alguém que perdeu a alma junto ao abandono do amor. De algum modo ambos estão certos, pois existe algo mais terrível do que amar em abandono, existe?
O dicionário me define como sobrevivência, talvez pelo fato de sobreviver ao meu reflexo todos os dias. Meus companheiros de silêncio estão nas paginam secas de um livro. Passo horas conversando com Baudelaire, minutos debatendo com Blake, enquanto tento me convencer que a voz de Eleonora de Poe não são as de minha falecida que nunca retornou.
Sim! Eu já senti o amor... O mesmo amor composto nos cânticos dos bardos antigos. Aquele capaz de iluminar a alma numa existência composta em mil maravilhas. Amor desses de Taj Mahal, desses expostos nos corações dos poetas... Sim! Eu senti amor uma vez... Uma única vez!
Tudo o que sobrou disto, fora apenas o apelido...E daquele nome por muito tempo fiz-me abrigo.
Olhos de anjo, lábios de ópio... Lábios que me viciavam... Acho que hoje a chamo de solidão. O único nome que ainda resta em minha memória.

Condeno o amor como condeno a mim mesmo, jamais haveria chorado se ela não tivesse partido. Jamais teria amado se ela não tivesse existido. Tenho certeza que foi o meu amor que a matou. Todas as horas que passei contando histórias de como iríamos ficar juntos. De como teríamos uma vida, uma casa e uma sacada repleta de crianças e vasos de flores perfumadas. Meu amor foi fatal a ela. O modo como meus dedos se entrelaçavam junto aos dela... Dizendo que poderíamos olhar uma vez mais para o futuro e descobrir vaga- lumes no quintal.
—Sonhos—Eu dizia—Respire os nossos sonhos...
Mas ela não respirou... Não acredito em doenças cardíacas. Na minha opinião o coração tem uma única função... Amar! E por isso não fui capaz de salvá-la, ao contrário do que pensam não foi o excesso do meu amor que a matou e sim a falta dele... Eu não dei amor necessário para que aquele coração pudesse sobreviver... Eu a matei por sentir tanto amor e ao mesmo tempo não conseguir expressa-lo de maneira sutil.
Condeno o amor, não por ela, mas por mim. Por perturbar sentimentos que já não existem.

Minha amada está morta! E logo eu estarei. Nada vai mudar isso, nada que eu diga o sinta a traria de volta... Então vivo na fortificação que inventei, distante dos outros sem esperança que um dia respire o ar de convivência outra vez.
Eu me privo dos outros, e respiro meu individualismo seguro. Sendo eu o monstro gerador das lendas. O velho solitário, alguém que não acredita na humanidade... Amargurado por tanta falta de senso das coisas. Brigado com tudo que é sagrado. Iludido de tanta desgraça. Desacreditado nisso que dizem sobre viver em comunidade.
Sozinho esperando o inverno passar.

Um comentário:

Luiza Callafange disse...

Que coisa mais triste!
Não quero viver assim. Não quero viver de sonhos, quero viver de realidades, sejam realidades realizadas de um sonho, sejam as realidades cruas e frias que tentarei modificar de alguma forma.
Não quero esperar o inverno passar, nem nada na vida.
Me lembro de um professor que dizia "Muitas pessoas apenas passam pela Universidade, sem aproveitá-la e enxergá-la como ela realmente é e com tudo o que ela tem para oferecer..." e é isso que eu quero fazer na vida inteirinha, aproveitá-la e dar o meu melhor...E não viver apenas de sonhos, simplesmente vendo-a passar...
Claro que assim também me refiro ao amor