domingo, 13 de dezembro de 2009

Contra indicação


Aqueles olhos expressavam dor. Tingidos de matéria, abriam e fechavam tecendo lágrimas...
E a dor habitou seu peito. No momento todas as portas se fecharam, e todos os demônios brotaram do inferno. Ele fechou os punhos e desacreditou em si mesmo.
E naquele instante, não mais que aquele instante, se esqueceu dos amigos e se deixou levar pela dor.
Os grandes feitos ilustravam sua mente (pequenos em questão de ato, mas grandiosos em virtude) o aborreciam ainda mais... Trazendo uma nítida noção de falha.
Ele recusou a vida, disse para as paredes que queria parar de existir.Foi até a esquina, entrou numa farmácia e perguntou para um atendente:
—Você tem algo para cessar a existência?
—O que?
Questionou o atendente. Naquela farmácia perguntas assim não aconteciam.
—Algo para parar de existir! Uma boa receita capaz de apagar toda essa matéria de carne talvez?
Tentou outra vez o moço, sendo um pouco mais explicativo.
—Desconheço algo assim!
Afirmou o atendente.
—Então o que me recomenda?
—Tempo!
—Por que tempo?
—È o ideal para os sintomas do senhor, já que nenhum ato de abolir a existência dura mais que algumas horas...
—E se durar mais que uma hora, o que eu faço?
—Espere mais uma hora! E depois mais uma hora, até que alguém toque a campainha e te chame para sair. Ou até cair uma garoa que vaze pelas goteiras e molhe seu rosto... E se isso te irritar. Espere alguns instantes com fé que a chuva passe. Para enfim ver o céu limpo!
—Eu não entendo esse remédio!
—Mas não é preciso entender, os remédios são todos assim... Basta ingerir algumas doses e logo você está bom! E no final você nem vai saber ao certo o que ingeriu!
—Tem certeza, que ficarei bem com esse remédio?
—Talvez!
—Talvez? Como assim talvez! Você não me garante melhora?
—Olha! Não existe uma contra indicação, mas como todos os medicamentos esse também têm reações adversas.
—Quais?
—Overdose de vida!
—E isso é lá ruim?
—Existe casos e casos... Um senhor que tomou o remédio semana passada, reclamava de ter uma vida vazia. Depois que utilizar a receita, ele conheceu a eternidade de um dia... E a vida vazia que ele tanto reclamava, virou algo cheio de coisas que ele mesmo não sabia de onde saía. Já para uma mocinha que também utilizou da receita, essa sensação de intensidade do dia valeu tanto que a coitadinha acabou ficando com overdose de tudo!
—Não me diga!
—Digo sim! O tempo pode ser algo assustador visto de um ângulo mais sensorial. Tempo produz vida. E uma vida intensificada em tempo, gera sinestesia aguda! È o que a super dose dessa receita traz... Vai levar?
—Vou tentar, quer dizer... Vou levar!
—Ótimo! Vou embalar para o senhor! Já ia esquecendo, o que levou o senhor a querer cessar a existência mesmo?
—Dor!
—Entendo! Então não seria melhor o senhor ter levado um Doralgina?

Um comentário:

Luiza Callafange disse...

Hahaha, adorei!
Tempo produz vida. Essa foi a frase que mais marcou desse texto.
O tempo é mágico, é um grande curandeiro de todos os males. É capaz de destruir muros, e de construir outros. É o álibi da reflexão, do eterno desfazer-refazer-fazer da vida...
Mas quem sabe um doralgina resolve. :P ehehehe!