terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Uma constelação para ser salvo I (A sensação)


"Qual foi a semente que você plantou?

(Legião Urbana,  Eu era um lobisomem juvenil)

Parados no alto da avenida, os carros passam muito rápido, e eu já não posso acompanhar. A garrafa de uísque escapa da minha mão e cai derramando pela calçada, o liquido vaza espirrando na minha calça. Eu deixo cair, deixo que derrame, deixo que a garrafa seque longe de mim.

 Os caras discutem sobre a falta de lugar pra ir, eu apenas balanço a cabeça dizendo que não posso dirigir agora. Recolho a garrafa vazia, meu corpo está Rock and Roll, balançando pra lá, e pra cá. 

Sem querer um grito sai da minha boca: 

Oh! Os anos sessenta!!!! Que vontade dos anos sessenta!

Os caras ficam em silêncio, eu fico em silêncio, e no fim só o que permanece é o som dos carros na avenida.

Os caras  estão todos bêbados. E todos de algum modo pedindo para serem salvos de alguma coisa.

No intimo eles são como crianças indefesas, carentes ansiando desesperadamente o seio de uma mulher. Procuram seguir em frente ambicionando qual dos passos diminuem a corrida. Sempre estamos  juntos com a juventude entalada na garganta. Juntos relembrando a pouca juventude que passou, dividindo as mazelas do mundo entre si.

Falamos sobre os amores que não deram certo. Falamos sempre das mulheres que nos deixaram, ou das mulheres que queríamos ter, mas não tivermos. Todas as noites de domingo, jogando  conversa fora. E desde então, vejo eles rirem como se o dia durasse apenas mais alguns segundos, e no fim a hora parasse ali, no mesmo dia.

Penso em algumas pedras de gelo no copo e uma garrafa de uísque aberta. O ruim do alcoól é que algumas vezes ele faz a melancolia desabar na linha da boca. E não importa qyão homem você seja se for exposto pelo aroma alcoólico da vida, vai desabar  na mesa como um garotos chorão que perdeu a mãe! O álcool torna as pessoas mais suaves sem nenhuma dificuldades para chorar. No fim tudo não passa de um drink em memória da esperança. meio  perdida, meio esperada. 

De volta a velha garagem coloco gelo no meu copo, apenas gelo pra ver se a coisa desce com menos fúria. Pego o violão e vou me sentar sozinho a beira da piscina. Ninguém percebe minha ausência na mesa. Estão entretidos com doses e doses de bebida e contos de autoconfiança ,que eu não tenho.
Eu passo pelo o pé de amora, há muito tempo eu peguei algumas e amassei num copo de rum. Eu tinha um coração fervente, um coração em fogo vivo e o mundo era o meu playground. 

Tudo desaparece tão de repetente, penso,olhando a água parada na piscina. Vejo o quanto tenho em comum com o lodo que cresce na margem. 
Afino as cordas do violão,e começo a cantar para as águas escuras da piscina. Começo a cantar para a lua que aparece iluminando os acordes dificultosos que eu ainda não domino bem, e com uma voz rouca e desafinada eu faço a canção aparecer.

Cantando aqui, penso que cresci envolta de partituras que eu nunca soube ler. Cresci fantasiando eras clássicas e vomitando épocas underground que eu nunca vou viver, afinal minha alma é uma mistura desses uísques baratos e Rock de rua.
Minha alma é entupida de tantas coisa que derramam lágrimas. Minha alma na depressão noturna, num beco encardido caída nas vielas de uma cidade interiorana tão afastada de tudo.Se afogando no encalço de uma piscina parada. Numa época que na verdade não entendo nada!

O céu parece distante daqui, estiro meu corpo na parede e deixo o violão no meu colo. Não é a primeira vez que observo o céu sozinho. Essa distância do céu podia parar de existir, daí podíamos tentar ser como constelações. Brilhar perto da ursa maior, guiando algumas pessoas caso precisem de rota. 

Se alguém está perdido automaticamente procura o céu. Somente quem está perdido busca o caminho do céu, Procurando algum traço na palma de Deus, tentando ler as linhas dos cosmos. Nessa eterna quiromancia dos firmamentos.

Eu peço por meus amigos, peço por exatidão. Peço por meu destino, e pelo destino de quem me cerca. Peço para ser salvo!
Um pouco mais disso! E então eu posso dormir quieto. Abraço o violão e caio por ali mesmo. Vou caindo ainda escutando a música na minha cabeça, ainda olhando para piscina. Ainda ouvindo os meus amigos rirem bem alto. Eu caio e fico por ali mesmo.
Imagino o mundo, imagino o céu. Imagino Deus numa constelação egípcia,  em uma grande constelação brilhante perdida no espaço.

Uma vez eu pensei que Deus fosse uma semente, pensei tanto que usei no pescoço como símbolo de confiança. Usei como equilíbrio que me faltava, sempre que precisava de apoio. Sempre que precisava ser salvo por me sentir desamparado, recorria aquela semente.
Eu gostava dela, gostava de olhá-la. Não era mais um símbolo, era o meu símbolo a minha crença de estar vivo!
Algo que pudesse lembrar quando os caminhos fossem pesados, afinal as sementes só germinam quando bons frutos morrem, é o ciclo natural.
Certa vez encontrei alguém de quem gostei muito, e como prova de afeição ofereci uma semente igual a minha como presente... Assim podíamos ser partes da mesma essência. Romântico demais para ser verdade (e não foi!)...  Depois disso, fui perdendo pouco a pouco meu equilíbrio e numa manhã de ressaca não me surpreendi de ter acordado sem ela presa no meu pescoço. Depois disso fui me segurando, restaurando como podia, mas não há um instante que eu não sinta falta, quando percebo que não há mais semente... Não há mais nada que eu possa pedir um pouco de restauração além de mim mesmo! Acho que é por isso que vivo cantando, a música sempre salva alguma coisa!

Estou fatigado de tanto introspecção. Fatigado de tanto desejar algo num último gole de destilado. O único desejo que me resta é ficar aqui esperando a música, oh! A música sempre acaba.
Não importa quanto tempo você repita o último refrão... Não importa se está no "repeat" uma hora a música sempre acaba terminando.
Todos nós, feitos de carne e regidos por compassos inanimados... Brindando pelas causas perdidas, olhando o céu atrás de um estrela guia... Pedindo mesmo que internamente para sermos salvos de alguma forma. Todos, todos... nós! Brilhando em constelações musicais feito poeira perdida nos cosmos.


Cantando e cantando para sermos salvos e de algum modo  sempre seremos!

Um comentário:

Luiza Callafange disse...

Eu espero sim que possamos ser salvos, pois essa melancolia, o copo de uísque, os devaneios, como a música...Sempre acabam!
Eu não sei onde está a minha...