domingo, 4 de outubro de 2009

Quatro de mim


"Qual é a sua substância, do que você é feito, para que milhares de sombras estranhas recaiam sobre você?"
(William Shakespeare- Sonnet 53)

Eu queria começar esse texto dizendo que o mundo é normal e tantas outras definições abordadas nesses livros idiotas de auto-ajuda. Queria dizer também que Rolling Stones é bem melhor que a maldita tempestade de Beethoven, e que lágrimas são apenas pesares de pouca coisa que a gente teima em deixar prá lá.
O fato é simples, não sofro de nenhum parâmetro de anormalidade conceituado pelo conselho neurológico de psiquiatria! Para ser sincero, eu confio na coerência das coisas normais (ou conceituadas nesse padrão). No entanto o que me aconteceu foi bem diferente de qualquer ponto lógico medido e determinado como realidade. Também não foi algo digno a ser conceituado como sobrenatural.(Deixo isso a cargo dos mitos de fantasmas, bruxas, fadas ou Succubus de decotes altos).O que aconteceu, aconteceu assim: "acontecendo". Foi numa sexta feira de Agosto, mas bem que poderia ter sido numa quinta feira de Outubro, afinal Outubro tem dessas coisas estranhas cosmicamente falando. Contudo tenho certeza que foi num desses dias pesados de Setembro!

Cheguei em casa depois de um dia incessante de trabalho. Minha cabeça latejava e meu corpo pedia súplica de cama forrada e janta na mesa. Não me lembro que horas eram, mas lembro do sentimento que me abordou cruzando os portões da frente... Uma Mistura de fuga do dia com o acolhimento do lar. È meio incoerente dizer, mas sempre que olho o metal desgastado dos portões me sinto um pouco mais acolhido pela vida.
Longe dos muros, perto das pistas, no seio urbano da nação. Com facilidade entrei em casa. Subi as escadas, larguei minha mala cheia de roupas sujas em algum lugar da parede. Tomei um comprimido pra espantar os males de uma dor de cabeça recém chegada. Não me lembro se jantei naquela noite, estava tão cansado que simplesmente abri a porta do quarto e despenquei na cama num único movimento. E nesse instante a dor de cabeça aumentou, e todas aquelas vozes do dia vieram até mim... Vozes de cobrança que ouvi o dia inteiro, no trabalho, no bar, no ponto de ônibus. Vozes de cobrança que gritavam alto dentro da minha cabeça. E o quarto então girou...
— Você é muito torto precisa aprender a dobrar certo essas camisetas!
— Cara! Você fala muito rápido, precisa adquirir dicção vocal.
— Mais ligeiro!
— Mais devagar!
— Você tem que saber esperar!
— Você tem que ser mais rápido!
— Você tem que investir pra cima da sua melhor amiga.
— Você é muito lerdo!
— Olha o tamanho da sua barriga!
— Você é muito sentimental!
— Você tem que saber esquecer.
— Frio!
— Grosso!
— Idiota!
Em questão de segundos as frases consumiam minha mente. Não paravam um só segundo, criavam-me para o mundo. Algumas até me faziam odiar a mim mesmo. O pior que essas geralmente eram sutis:
— Você é uma pessoa maravilhosa! Com certeza merece tudo que há de bom...
— Tem um sorriso maravilhoso também.
— Eu te amo!
— Sempre seja assim...
— Continue assim...
— Meu bem!
— Espero que você tenha sempre esse jeito lindo de ser!
— Quero casar com você, ter filhos!
— Você é especial!
— Ùnico!
Palavras boas que se tornaram ruins com o tempo. Ofuscadas dentro do córtex cerebral em algum lugar pairando num cheiro perdido, numa brisa passageira dentro de uma esquina qualquer. Faziam meus olhos secar mesmo fechados. Ardiam como insônia de duas semanas, passando lentamente a imagem. Palavras que me lembravam cenas. Cenas que produziam imagem e imagens que me faziam não ter sono nenhum.
As vozes internas aumentavam até o ponto que soltei um....

— Ahhhhhh!

Loucura fervia em mim. Mas tudo que escutei como uma suposta resposta ao meu grito fora uma batida seca na porta. Toc! Toc! Toc! A madeira da porta rugia com as batidas desempenhadas. Estranho foi a primeira coisa que passou pelas minhas divagações. De repente as vozes haviam cessado, e eu havia caído da cama como se a gravidade tivesse aumentado dez vezes o meu peso. Minha face permanecia contra azulejo frio no chão. Levantei bem devagar e destranquei a porta... Quando puxei a maçaneta percebi que realmente alguém estava ali. Enxerguei uma pessoa, no entanto, talvez pela junção da tontura e das luzes que estavam desligadas, de inicio não distingui nada além de um vulto embaçado!

—Você não vai me convidar para entrar?

O mais estranho é que mesmo surtado eu reconhecia aquela voz. Parecia puramente familiar e altamente cotidiana.
— Não é muito educado deixar alguém tão próximo de fora...
— Próximo de que?Quem diabos é você?
E novamente escutei aquele estranho vulto dizer no mesmo tom que me era familiar:
— Eu sou você!
De repente a luz havia acendido. Jogando claridade em meus olhos, a imagem então apareceu bem nítida. Era certo que eu via um espelho vivo! Um espelho de carne movimentando-se em exterioridades faciais. "Idêntico a mim!". Pensei analisando aquela face. Depois de olhar bem percebi com algumas mudanças. Naquele dia eu estava de calça jeans e uma camiseta branca sem estampa. E aquela estranha figura vestia um terno azul escuro típico de executivos de rua. Tinha feição viva e menos desgastada que a minha. O que me causou aquele amedrontamento instantâneo, não era a aparição em si, mas o fato daquela reprodução carnal estar de terno! Ternos sempre me trouxeram pesadelos.
— Posso me sentar?
Perguntou a versão estranha num tom cortês, enquanto eu permanecia imóvel, medindo em que grau de esquizofrenia me encontrava naquele momento. Depois de alguns minutos em silêncio, voltei a "realidade" e simplesmente disse:
—Que merda é você? (As únicas palavras possíveis que saíram de minha boca, no entanto averiguando agora, muito propicias para aquele momento).
— Eu não sou um pedaço fétido de restos de comida digerida! Onde estão os outros?
— Que outros?
— Aqueles que virão para reunião...
— Reunião?
— Pelos deuses de alguma religião politeísta! Pare de se fazer de tonto! Posso me sentar nessa cadeira?
Insistiu a estranha figura empurrando uma das cadeiras que permanecia no centro do quarto. Tinha um olhar bem focado, daqueles de gerente de banco meio calculista bem compenetrado. Andava perfeitamente com os ombros elevados.
Não sei se foi o amedrontamento por me ver de terno oscilando pelo quarto. Ou pela situação em si. Mas quando olhei cadeira sendo puxada no chão por aquele clone esquisito só tive uma reação!!! Belisquei meu próprio braço tentando acordar!
"Acorde! Acorde! Acorde!" Pensava comigo oscilando os beliscos quando escutei gritos guturais vindo da figura estranha:
— Ou! !!!!!!Isso dói! Pare já com isso!!! Quer me machucar?
Eu queria chorar, gritar... Pedir socorro! Aquilo realmente estava acontecendo?Ele sentia minhas dores. Podia notar sua pele levantar com os beliscões. De todas as coisas estranhas que me aconteceu nessa existência mundana, aquilo certamente superava em grau e circunstancia(e olha que eu nem havia ingerido tequila).
— Acalme-se! Assim você vai acabar assustando os outros! Principalmente, O Terceiro! Pelo que ouvi falar, ele é mais medroso que o próprio sentido de ter medo. Bem! Acho que você não vai ligar se eu continuar sentado aqui não é? Está tão ocupado tremendo, ai mesmo! Poderia me oferecer algo para beber...
— Terceiro? Como assim? Droga! Meu deus! Você é algum tipo de irmão gêmeo perdido?
Cessei seu pedido. Tentava achar algum ponto lógico que explicasse minha insanidade presente.
— Não! Não sou o teu irmão, apesar de eu também ter o mesmo sangue. Eu sou parte de você! Aquele que oferece as primeiras apresentações, que discursa nos seminários. A voz cativante que enlouquece o coração das mulheres quando você moraliza amor. A fala imposta num debate, quando você não gagueja é claro! Sou sua lábia de convencimento... O porte de vendedor. O mais educado dos quatros que virão. Sou "O Arauto"! "—Muito prazer meu caro! Agora se você não se importar, será que não tem um copo de chá para oferecer a sua primeira visita?
O que aquele cara estava falando...Parte de mim? Chá? Haveria alguma coisa na água que tomei pela manhã que pudesse causar uma alucinação tão grande? Interrogações cobriam o meu corpo. Num movimento instintivo puxei o cobertor. Sentia-me indefeso! Por ver me assim: Tão perto de mim mesmo.
— Eu estou louco, certo? Pirei na batatinha? To conversando com fantasmas de face própria...
— Acalme-se! Juro, não queria que fosse eu o primeiro a vir até aqui e abrir a pauta de apresentação. Mas os três quiseram assim. Engraçado você me olhar como se eu fosse uma assombração...
— E o que você quer que eu ache! Estou me vendo num terno azul.... E pior, estou me ouvindo num terno azul. Se você não é uma assombração, então eu preciso urgentemente de remédios de tarja preta!
— Olha! Você precisa de um copo de chá! Eu preciso de um copo de chá! Portanto alguém tem que ir preparar chá... Já volto!
Ele saiu do quarto... Enquanto eu puxava outra coberta numa tentativa de me sentir mais protegido. Escutei o barulho das louças na cozinha. Ele realmente estava ali presente, dentro da minha casa. Uma alucinação preparando chá. Seria alienado demais para não me fazer falar sozinho.
A porta se fechou de novo. Um barulho de batida ecoou na cabeceira da cama. Eu havia fechado os olhos. Quando não ouvi mais nada. Algo caiu em cima de mim! A cama veio ao chão num barulho típico de madeiras e ferros se destroçando. Por algum ato instintivo pulei fora da cama que naquele momento parecia uma linha de fogo vietnamita. Gritei o mais alto que pude. Gritei levando todo ar que restava no meu pulmão. E tudo que tive como resposta foi um:
— Ops! foi mal!
Fiquei em silêncio novamente, observando um corpo se levantar dos restos do que um dia havia sido minha cama. Em meio à poeira e um amontoado de cobertores surrados. Erguia-se um sujeito bizarro. Ele Apresentava roupas idênticas as minhas, com uma única exceção. As roupas dele estavam evidentemente muito amassadas e sujas de poeira.
— Idiota! Você me assustou, olha o que você fez.—Disse apontando para os destroços — Quebrou a cama!
Estava tão irado naquele momento que nem me importei para o fato de me ver outra vez perambulando no quarto. Bastava, já era demais! Minhas loucuras agora haviam acabado com a cama. O que viria depois? A casa desmoronando?
— Me desculpe queria dizer um olá! Sabe... Mas então a cama caiu! Juro, eu só queria parecer agradável!
Ele era diferente do arauto. Tinha um olhar sincero e divagava admirando o chão. Sua face tinha certas diferenças, além de ser mais jovial (talvez dois anos a menos que a minha idade atual) não tinha barba e usava cabelos despenteados em fios grandes. Mesmo com tantas diferenças sua face correspondia a minha em grau genético (ou algo assim).
È engraçado, mas naquele momento senti pena dele. O olhar amedrontado depois do grito, o modo como fugia do meu olhar de apontamento. Eu não sabia, mas começava a me reconhecer na face deles. E assim ia mergulhando cada vez mais na minha própria loucura.
— Quem dos quatro você é?
Perguntei já crente de meus espectros de carne.
– Eu acho que eu sou o segundo... Na verdade era para eu ser o primeiro, mas me atrasei! Daí fiquei sendo o segundo mesmo! Não gosto de me atrasar, mas por algum motivo sempre me atraso–Ele repetia as frases observando diversos pontos no teto até a parede—Você está bem? Digo! Ainda está nervoso por causa da cama? Eu posso tentar arrumar...
Ele se ajoelhou e levantou parte da carcaça da cama (aquilo feito de madeira que fica em baixo dos colchões que eu nunca me lembro o nome) e num ato desajustado tropeçou e despencou com as madeiras quebradas em cima da minha estante de livros. A estante cedeu abaixo com os livros tombando em sem sua cabeça;
— Ops!
A única linguagem que soltou depois receber uma segunda edição em capa dura de Dom casmurro na nuca.
— Ahhhhh! O que você é afinal? Minha parte idiota?
Zanguei-me não acreditando num segundo ato tão azarado quanto o primeiro. Era possível repetir o grau de azar num movimento secundário?
— Foi sem querer! A cama era mais pesada do que eu pressentia. Eu posso tentar arrumar de novo?
— Nããão!!!!!!!!!!!!! Fique longe dos moveis. Sente-se ali... Vocês todos aguardam uma reunião não é?
Agucei mudando de assunto, tentando persuadi-lo a ficar quieto e não quebrar mais nada.
— Reunião?Ah, é mesmo! Vamos ter uma reunião hoje! Onde estão os outros?
— Eu estou aqui! —Disse o arauto, aparecendo inesperadamente perto da porta com duas xícaras de chá na mão. —Eu queria hortelã, mas só tinha esse negócio verde...
— Eu gosto de chá ! Posso beber?
— Eu acho melhor ...
Quando o arauto ia terminar a frase, o ser estranho foi trotando como uma vaca desembestada para cima das xícaras de chá. O arauto vendo o grande trote tentou gritar, só que a ação foi tão rápida que pareceu até expressão daqueles filmes de "stop motion".
N Ã Ã Ã O !!!!!!...... Dizia o arauto, enquanto segundo foi com as mãos quase apertando mentalmente a xícara de chá quando se embaralhou nos próprios passos e caiu esbarrando nos braços do arauto que deixou as xícaras despencar no chão. Uma poça de chá verde emoldurou o piso.
Fiquei inconformado como aquela representação de mim. Em todo ato, ou em qualquer tipo de movimento até o mais breve, o resultado era só um : Algum desastre.
Então sem querer o reconheci em mim.
— Você é a minha parte desajeitada?
Parado no chão olhando atentamente para poça de chá. Depois de alguns segundos ele começou a falar:
— Havia um homem torto. Sentava em suas cadeiras tortas, vivendo sua vida torta. Tinha um amor torto. E um a cachorra torta. Comia em talheres tortos. Dobrava suas roupas tortas, escrevia em sua caligrafia torta: O homem torto no seu mundo torto, por toda vida torta.
Não disse nada, pois compreendia cada pedaço daquelas palavras. Por mais engraçado que fosse para outros aquela parte de mim, não passava de uma face abatida. Tinha uma caricatura boba de clown perdido, tentando se adaptar a sociedade que o renegava por ser desajeitado. Tentando fazer certo, quando tudo correspondia a uma ação perna-de-pau. Os apontamentos dos outros sempre foram algo que me tiravam a comédia desses personagens sem jeito. Todo clown tem
uma lágrima no rosto. E quase ninguém nota quando ele implode em tombo.
Pedaços da minha vida torta refletia nele.
— Eu sou sua parte que invariavelmente arranca risos.—Aguçou ele outra vez— Sou sua cara suja de pancake*, seu sorriso vermelho. Os pés tortos de vagabundo*. Faço parte do seu olhar de desconforto quando tropeça o pé pelas quinas da vida. Seu sorriso inocente quando se choca com a maldade alheia. A parte embaraçada que causa borboletas no estomago quando toma os primeiros passos para cobiçar uma donzela. Sou seu papel cômico! Sua dança incoerente. O bom humor que mesmo escondido fervilha num sorriso de bem estar. Sou sua taxa de incompreensão dos outros. Seu pedaço de caos minúsculo. Sou o segundo! Pode me chamar de "bocó", claro se você quiser?
(*Vagabundo: personagem criado por Charlies Chaplin cujo uma das representações era os pés tortos. *Pancake: Maquiagem artística que deixa a cara branca)
— Muito Bem! Eu entendo que você tenha que se apresentar... Mas precisava derrubar as únicas canecas de chá???????????????
Gritou o arauto certamente ofendido pelo chá derramado.
— Pode deixar que eu limpo...
— Não Precisa!!
Pronunciamos juntos sem querer.
— Tá! Tudo bem... Não queria mesmo!
— Por favor, fique imóvel naquela cadeira —apontei para a cadeira que estava no centro do quarto— Pode se sentar ali...
— Eu entendo que eu deva me sentar, mas não entendi o imóvel?
— Ele é assim mesmo, nunca entende nada! Seu incoerente é claro que ele disse isso pra você não acabar com o resto do quarto! Não é isso mesmo?
Respondeu por mim o arauto.
— Não é bem assim... —respondi enquanto limpava a poça de chá verde com uma fronha da cama quebrada—Se vamos ter uma reunião, que seja decente! Reuniões em pé são de banda de rock ou de mendigos que se esquentam em fogueiras de latão de lixo. Eu odeio tudo que é formal—Quando disse formal o arauto olhou pra mim com uma careta que defini como "Ou ta me desprezando poxa."—Mas finalizando, acho que devemos fazer uma reunião formal—Nesse momento ele assentia com a cabeça como se dissesse, "Isso mesmo, muito bem!". —E por isso acho que devemos cada um ficar num canto sentados e sem causar mal a nenhum de nos e conseqüentemente ao quarto.
— Apoiado!—Gritou o arauto!—Esse sou eu! Discursou bem demais.
— Você notou a postura torta dele? Duvido que foi você! Essa postura torta é minha!
Revidou o bocó
— Claro que não!
— Claro que é!
— Ele não estava torto!
— Claro que estava!
E foi assim que minhas loucuras de espelho começaram a discutir. Não me lembro quantas vezes eu disse para que parassem, para que cessassem, para que definitivamente ficassem quietos! Mas no fim tive soltar mesmo um :
— Calem a boca!!!!!!!!!!
E então eles ficaram em silêncio.
— Eu tenho personalidade própria. Não sou nenhum de vocês, posso ter postura enquanto falo e entortar os pés em seguida... Mas isso não quer dizer que esteja assumindo personalidades diferentes. Eu sou que sou e não preciso de vocês... Já me custou uma cama, uma estante de livros e duas xícaras de chá!
— Na verdade foi uma...
Interferiu o bocó! Ainda desviando o olhar.
— Não importa!—Disse já enfurecido—Sumam do meu quarto e esqueçam esse negocio de reunião. Não quero saber mais de mim!
— Na verdade, você nunca quis saber! Deixou você mesmo e como conseqüência deixou cada um de nos. Abandonar a si mesmo... Como alguém pode ser capaz de fazer isso?
Aquela voz não veio de mim, nem das duas personalidades que enchiam minha paciência... Diferente dos outros dois, ele não me olhava nos olhos. E estava de costas no centro do quarto.
— Eu não sei do que você está falando!
Rebati a personalidade desconhecida.
— Vou ser breve, pois não cabe a mim esse julgamento. Você nos abandonou abandonando a si mesmo. Nos deixou na noite fria, sem nenhum terço de volta. Naquela tarde você deixou de ter fome, e assim muitos de nos tivemos ânsia por almoço. Passando necessidade, sentindo ressentimento dessa vida que não vale muita coisa. Eu não queria estar aqui dizendo isso! Eu nem se queria falar com você! Na verdade, não importa o que eu diga. Não importa o que aconteça nessa reunião, nada vai mudar. Porque nada muda mesmo!
Eu notei que ele atraia o escuro e quase não se movimentava. Dizia cada palavra como se fosse uma lágrima travada na garganta. Não o senti se aproximando, porque ele já estava ali. Veio com o silêncio melancólico do bocó. Brotou da tristeza ali composta no quarto. De roupas pretas e um olhar dilatado em pessimismo.
— Você é quem?
Indaguei com curiosidade. Queria saber como aquela parte de mim se denominava.
— O que vale um nome ? Vai ser apenas mais uma palavra conceituando algo que não existe. Não sou agradável para ficar me apresentando!
— Então por que veio?
— Já disse, não foi escolha minha. Querendo ou não sou parte de você e por isso fui forçado a aparecer.
— O pessimista!
Agucei com se a resposta viesse rápido na minha mente. Eu notei que conhecia minhas aberrações desde o inicio. Afinal elas eram partes minhas. Viam de dentro de cada ato que me transcrevia como um individuo. A única coisa que eu questionava ainda era uma só! Por que diabos conseguia invocar minhas personalidades em carne e não a Audrey Hepburn cantando moon river de camisola (de preferência aquelas bem transparentes) seria um sonho, mas não! Um louco só tem a loucura que lhe convém.
— Pode me chamar assim se quiser. Mas vou te dizer, não sou pessimista! Sou realista... Pois o mundo é péssimo as pessoas que são tapadas demais para conceberem essa verdade. Na verdade eu não as culpo de não enxergar as beiras no meio da rua, pode ser um choque a felicidade! Quando uma pessoa morre o drama é intenso, Mas quando milhares morrem o drama não passa de um segundo. O individualismo é tão individual que só derramamos lágrimas quando a morte invade nosso mundo. Mas quando isso é exterior todo mundo só reza um terço de boa sorte.
— Tudo bem, se é assim! O nomeio de taciturno invés de O pessimista... Todos apóiam o nome do companheiro de preto?
— Apoiado e muito bem eleito!
Respondeu o orador como se aquilo fosse um juramento a pátria.
— Como que é mesmo o seu nome?
Perguntou o bocó para o taciturno que o ignorou assumindo completamente o silêncio.
— Decidido! Você é a minha parte taciturna.
Eu fugia daquela parte sempre que podia. E naquela vez frente a frente com que me fazia ter olhos caídos não foi diferente. Fugi da minha paixão perdida de Camões. Fugi do meu peito abatido de Lord Biron. Fugi dos meus versos íntimos de Alam Poe. Fechei meus olhos de novo para o meu destino de Azevedo.
— Você não se lembra—Disse ele interrompendo minha fuga e continuou — mas estou com você antes de todos esses heróis do romantismo. Antes que você pudesse compor um verso triste. Ou pudesse causar o choro irrompendo os ventrículos de um coração ausente. Quando você acompanhava sua mãe na fila do banco eu estava lá interligado naquele sentimento que você absorvia das velhinhas da fila dos aposentados. Um frio existencial e um aperto no peito, lembra? Não podia explicar o que era aquilo, afinal você não conhecia a tristeza... Nem sabia como proferir a palavra.
Foi tão súbito ouvir aquilo. Como podemos esquecer de momentos da infância.?Desde que comecei a andar minha mãe me levava junto ela para poder receber a aposentadoria de minha Vó. Por ela ser analfabeto e bem velhinha não conseguia apegar ônibus, daí o fato de todos os dias quinze minha mãe ir buscar seu pagamento. E lá eu ficava exposto aos velhinhos que cruzavam o corredor do banco. Minha alma chorava por eles. Tinha afeto roubado, vulneráveis em rugas... Eles, abandonados pela vida... Sentiam saudade da jovialidade. E eu sentia isso. Sentia porque sempre senti as coisas, isso me tornou Atlas. Sentir o que o mundo me entregava nas costas.
— Eu sou taciturno porque você é taciturno!
Ele cortou minha nostalgia me entregando na cara minha característica mais assombrosa. E continuou.
— Fui parte das tuas lágrimas de amor. O modo escasso como sentia o ar pesado na barriga. Fui todos os perdões perdidos. Todas as tuas canções de chuva. Fui teus olhos quando a janela do ônibus disse o único adeus dito em silêncio. Fui tua descrença poética quando enxergou tudo perdido na ponta da escada. Quando seus olhos prendem e desviam a feição sou eu. Quando tuas palavras reagem com pessimismo de uma lente social desajustada é minha voz. E quando a agonia dilacerar teu peito novamente e a única coisa que se reste for um perambulo de velório. Serei eu nas tuas palavras. Chame- de taciturno... Ou de pessimista, mas tenha em mente que sou a maior parte que transcende dentro de você.
Quando ele terminou notei que os outros derramavam lágrimas, pois como parte de mim sentiam o ar nostálgico. A lembrança sempre tem um resíduo de melancolia. Reparei nos outros dois, reparei como choravam. O orador tinha um choro tímido, derramava lágrimas sozinhas e logo limpava com medo de que alguém o observasse chorando. O bocó pelo contrário tinha um choro de criança uma feição de berro infantil alternando lágrimas longas, não ligava por chorar em público. Já o taciturno era diferente tinha os olhos vermelhos mais sem lágrimas. Abreviava uma feição que comoveria até o ser mais frio existente. Foi inevitável, mas o silêncio havia voltado. Ao contrário deles eu não tinha fluido para chorar, de alguma forma eu havia me acostumado com a nostalgia e como conseqüência criado um anticorpo para essas tristezas de choro.
— Caras! Escutem, vocês são muito sentimentais.
Interrompi o silêncio que parecia fúnebre.
— Eu concordo plenamente!
Disse o orador tentando esconder o resíduo das lágrimas limpando com a manga do terno. O bocó tentou dizer algo, mas soluçava demais tentando restabelecer o controle sobre os sentimentos desencadeados. E o taciturno, ainda residia no silêncio que ele mesmo havia criado.
— Muito bem! Vocês estão aqui, já se apresentaram! Já choraram e destruíam meus moveis... Agora me digam por que ainda não começamos essa maldita reunião que vocês sempre comentam?
— Falta um de nós...
Rebateu o bocó ainda com a voz meio abatida.
— Sim! O último de nós!
Afirmou o arauto
— Ele!!!!!!!!!!
Apontou o taciturno para a porta
—Ele?—Perguntei virando o rosto para direção descrita pelo taciturno quando minha expressão poderia ser transcrita como: "Caraca véio que porra é essa?"
— Eu já esperava expressões idiotas vindas de você!
Nenhum dos três me causou mais espanto do que o quarto. Usava uma roupa estranha parecida com que os formandos usam. Representava minha feição mais difícil e que somente os que não tiveram muita sorte (ou me irritavam muito) haviam presenciado.
Feição interrupta, sem curvas ou sinais de fuga. Ele caminhou em passos firmes e se situou no meio do quarto, depois que o taciturno cedeu-lhe o lugar,e sem mais começou a dizer.
— Então está tudo pronto?—Os outros assentiram com a cabeça. —Então podemos começar...
—A Reunião?
Perguntei sentindo um frio na espinha por estar diante daquela situação.
— Não!
Replicou ele
— Então o que?
Perguntei de novo
— O Julgamento!
Pela primeira vez naquele dia suei frio. Não pelo espanto de conversar com minhas personalidades. Mas com a possibilidade delas me julgarem.
— Como assim Julgamento? Quem você pensa que é? Você chega e nem se apresenta e fica dizendo essas merdas de julgamento... E vocês dois por que olham pra ele como se ele fosse um chefe em área de trabalho?
— Ele é o juiz! Ele despensa apresentação...
Disse o bocó
— Nós o respeitamos, pois ele representa o nosso respeito, ao contrário estaríamos desrespeitando nos mesmos!
E terminou o arauto. É incrível como podemos nos sentir sozinho mesmo estando conosco quatro vezes. Em quatro faces diferentes.
— Quietos!
Impôs o Juiz.
— Agora o que for dito pode cair como sentença para qualquer um aqui, inclusive eu! Você deve estar se perguntando por que estamos aqui?
— Não! Na verdade é até menos solitário enxergar quatro seres iguais a mim falando traços do que eu sou.
Ironizei a pergunta idiota, era obvio que eu havia perguntado isso sem parar.
Com um olhar aterrorizante ele apenas expôs:
— Não gaste as tuas palavras com ironias de mau agrado. Isso não irá diminuir os teus atos diante o Juri!
— Isso!
— Não mesmo!
— Nenhum sentimento te absolverá agora!
Disseram os outros. A única dúvida que me veio em mente foi: essa é a parte que eu corro?Entretanto quando minhas pernas firmaram e os passos de corrida estavam prontos para o percurso meus joelhos foram levados ao chão e então fiquei imóvel outra vez.
— Onde eu estou?
Desesperei-me vendo um fundo branco, como se o infinito ocupa-se meu quarto—Onde eu estou? repeti gritando.
— O melhor tribunal que existe é esse que reside em nós mesmos!
— A pior crítica é aquele aponta os próprios atos!
— Não importa quantas pessoas sofram por você, o verdadeiro sofrimento é aquele que aglomera dentro de você mesmo!
— O que te deixa sem jeito quando tropeça na rua, não são os risos alheios, mas o incomodo de fazer tudo errado!
As vozes falavam comigo. Quatro pontos diferentes de um mesmo diálogo.
Naquele instante eu não os enxerguei mais como indivíduos de um nome só. Eles agrupavam em volta de mim como faces de satélite natural, atraídos por mim. Envolta de mim giravam e giravam apontando o significado de tudo aquilo. Eu tive de compreender da pior forma ali exposto no meu interior branco.
— Por que me detestam tanto?
Gritei dentro de mim com um realce de pânico involuntário.
— A pior pessoa no mundo não é aquela que abandona os pais num asilo, ou o grande amor sem súplicas de perdão. A pior pessoa é aquela que abandona si mesmo!
— Do que você estão falando? Eu nunca abandonei a mim mesmo! Seja isso o que quer dizer.
— Nunca?
— Jamais?
— Nem por hipótese?
— È o que você realmente afirma?
Quatro hipóteses de dúvidas que me feriam.
A face tornava maior na medida que as vozes eram ditas. Era imenso como um deus de cara. Conhecia todos meus medos. Sabia todas as minhas datas de aniversário e perguntava cada um em seu campo habitual. Eram os quatro em sua reunião, a pauta era eu mesmo.
Tinha que me defender ali ,se não a sentença seria loucura para todo sempre. Se fosse acusado sofreria de crises bipolares por toda a vida, quem podia afirmar qual seria veredicto final?
— Digam vocês quando os abandonei então?
Disse tentando achar uma forma de defesa.
— Todas as horas martirizadas pelo os outros!
—Todas as vezes que nunca ouviu o que tínhamos a dizer, mergulhou em palavras sem sentido. Agiu de atos que nunca foram realmente teus.
— Quando Vendeu os teus sonhos por tristeza! Trocou sua imaginação por atitudes que nunca definiram você!
Então em coro todos disseram em uma só vez:
— Quando ela fugiu de você!
Certas coisas não podem ser ditas. Não podem porque voltam contra você!
Coisas são esses sentimentos que não dão certo.
Eu odiava que falassem dela. Droga! Odiava quando o assunto caia naquele termo... Ela!
Quatro coisas que me lembravam ela.
— Eu não quero falar sobre isso!
— Então você assume a culpa?
— Culpa pelo o que?
— Pela perda do bem mais precioso que teve em sua vida!
— Vai pro inferno!
Meu coração queimava queria ver todos destruídos, mesmo que o preço fosse destruir a mim mesmo. Tentava de todas as formas me livrar daquilo, mas meus músculos também haviam me abandonado.
— Você sonegou teus sentimentos mais profundos mandando ela embora!
— Ela foi embora porque quis! Nunca pedi pra que partisse, e mesmo assim ela partiu! E Partiu junto com meu coração!
O universo branco girou e logo me vi no meio de uma mesa redonda. O arauto falava enquanto os outros permaneciam sentados.
— Você tropeçou na queda inevitável... Você sequer persuadiu ela a ficar! A reunião está aqui, um de nós irá te assumir. Estamos Cansados de passar fome!
— Sim!
Gritavam os três batendo na mesa.
— Cansamos de engolir palavrões e não mostrar a cara...
— Sim!
— Cansamos de perda da vida, do amor e da compreensão... Cansamos de nos sentir fracos e desajustados pelo medo de agir...
— Sim!
— Por isso eu assumo o cargo de personalidade imponente e única a decidir a vida de todos nós!
Os três então ficaram em silêncio, enquanto o arauto fingiu ser aplaudido. Quando o Juiz levantou e disse:
— Basta! Como pode se julgar o pleno da mesa? Como pode julgar algo se não fui eu quem o julgou? Eu me julgo habito a exercer o cargo!
—Você não é o dono da verdade, mesmo que as vezes pense que seja! Seu julgamento presunçoso irá nos matar! Não pode assumir o cargo.
— Eu eu?—Levantou o bocó. E disse gaguejando por estar nervoso—Eu acho que poderia...
Quando ele ainda estava falando os outros logo cortaram em uníssono.
—Não!!!!!!!!!!!!
— Seu modo desajeitado vai fazer com que as pessoas nos matem! Portanto também não pode exercer o cargo—Argumentou o arauto e logo continuou—Vedes sou o mais indicado ao cargo, tenho boa aparência! Tenho uma boa dicção, e consigo influenciar pessoas...
— Seu convencimento de si mesmo vai nos causar câncer! Você trata pessoas como cálculos inúteis. Tem muita razão e pouca sensibilidade. O máximo que vamos conseguir com você é status de frieza social. Para a nossa saúde moral, você é o menos indicado ao cargo.
Reagiu o taciturno e quando parecia que ele iria continuar, simplesmente ficou calado.
— Por que não se candidata?
Disseram os outros três.
— Porque eu sei que se fosse nomeado, eu cortaria os nossos pulsos!
A discussão aumentou numa maneira em que nenhum dos argumentos eram entendidos por completo. Uma gritaria de vozes dispersas que entravam no meu ouvido naquela noite. Eu pensei em mim naquele momento. Em que fui, Em que sou! E no que estava me tornando. Então simplesmente submerso em mim mesmo roubei a voz dizendo:
— O que faz a gente ter reações diversas sendo o que é? Juro que não sabia explicar até ouvir vocês falando hoje... Quando vi vocês em olho cru! Às vezes você deixa de ser o que pensou que era... Assumindo uma face que sempre esteve ali, mas nunca notou que existia.
O sábio, o elegante, o estranho, o desajeitado. Não importa como vocês se rotulem, todos não deixam de ser uma parte de mim. Desculpe se feri a mim mesmo evitando ver cada um em minha face. Desculpe se meu amor não dito criou sequelas no peito de cada um de vocês!
Quando chorei pela primeira vez um de vocês assumiu o jogo, quando me irritei com o mundo outro de vocês tomava as dores. Somos única parte de uma coisa só! Sentimos o mesmo medo, temos a mesma ânsia de carinho. E por isso peço imensamente que encerrem essa discussão e elejam todos!
— È impossível somente um pode habitar em personalidade única!
Assegurou o Juiz.
Foi então que ocorreu uma saída, algo que só eu podia exercer.
— Então me elejam.—Disse já conseguindo me mover outra vez— E assim poderão me habitar e cada um terá seu espaço num determinada ação. E cada um terá um único nome e jamais deixarei que se anulem enquanto eu viver. Elejam-me e tomem conta de si mesmos e como conseqüência um do outro. Pois seremos o interior da mesma essência. E assim novamente uma só personalidade!
Quatro essências que eu mesmo possuí.
A exceção a regra do Juiz era isso. Nenhum deles podiam coexistir me assumindo. Mas eu poderia assumir os fazendo coexistir. Era a decisão mais lógica a ser tomada.
— Eu poderia Julgar as decisões que não dão certo?
Perguntou o Juiz..
— Claro! Desde que não seja bruto nos julgamentos de nossos atos. Pois todos nós compartilharemos da mesma sentença e temos o direito de pagar esse débito.
Respondi não sabendo de onde havia tanta calma em minhas palavras.
— Então eu estou de acordo!
O juiz simplesmente desapareceu da mesa. Foi sumindo criando uma visão critica dentro de mim. Notei que precisava de óculos ali.
— Eu poderia rir com as pessoas quando fizesse algo destrambelhado?
Questionou o bocó.
— Desde que seu riso seja algo verdadeiro e você não ligue para os deboches alheios... Claro! Seria ótimo rir de nossas idiotices.
Averiguei compreendendo que esse era o seu, (digo), o nosso maior desafio.
Foi então que vi o bocó partir. Senti uma felicidade sutil. Aquela das coisas que são simples. De nascente de água e refresco em dia quente.
— Eu poderia falar em publico e expor as nossas opiniões?
Indagou o arauto.
— E porque não? Dizer o que pensa é algo que sempre nos fez melhor!
Sorri sabendo o quanto era bom falar.
—Tem só mais uma coisa...
Continuou ele
— Diga?
— Podemos fazer tudo isso de terno?
— Se a ocasião pedir, porque não! Afinal ternos não são tão ruins assim.
Tá eu menti! Maas eu tinha que dizer algo de bom sobre os ternos. Então vi o arauto ir embora sem xícaras de chá dessa vez.
Só faltava um e este olhava diretamente pra mim e não disse nada. Esperei que ele inicia-se um dialogo como os outros fizeram.
— Então?
Tentei puxar assunto, mas ele ainda olhava sem dizer uma única silaba.
— Você discorda do que eu disse?
— Não! Você disse aquilo que todos queríamos ouvir. Simplesmente queríamos ser notados, essa é verdade! È engraçado, mas a maioria das pessoas passam milhares de horas e não sabem do que são feitos. Renegam o berço conveniente da própria alma. Você superou nossas expectativas, conseguiu entender a si mesmo. Por isso não tenho nada mais a dizer!
— Você não vem?
Apontei na direção do meu peito. Esperava que ele se juntasse aos outros.
— Vocês não precisam de mim! Eu causei os nossos medos até agora, culpei você... Mas devo ter um parcela de culpa, afinal ela nos abandonou pelo meu pessimismo. Eu não quero causar mal nenhum. Não quero causar lágrimas e dissoluções de perda. Eu fico aqui e vocês podem ir!
Eu podia ter aceitado aquela decisão dele. Podia ter vivido feliz sem meus demônios de solidão. Mas quem é verdadeiro se não senti uma única vez tristeza? E assim disse tentando persuadi-lo a ir com outros.
— Eu entendo o que você diz, mas existe felicidade que não passa? De uma forma ou de outra decepções sempre irão existir. Lágrimas são apenas um lembrete para que possamos limpar o rosto e seguir em frente. Sua tristeza e pessimismo foram importante para gerar afabilidade e destilar coisas boas do escuro. Não importa quanta escuridão exista, uma fresta de luz sempre abrirá o caminho! A melancolia é necessário para evoluirmos, somente os que sofrem em crises existenciais, amorosas ou por perder o queijo numa manhã qualquer, sabe o significado de ter otimismo na vida! Você é necessário para gerar vida em nós, se ficar aqui não há equilíbrio e sem equilíbrio não haverá vida! Venha, junte-se a nós!
Não sei se foi por prazo determinado, ou pelo meu argumento sutil, mas quando olhei para o taciturno. Não vi mais aquele olhos tristes ou aquela face caída... Ele sorria, num sorriso tímido e peculiar e quando menos notei havia sumido. Todos eles haviam sumido! Não havia mais as mesas e a imensidão branca estava pintado nas cores habituais de meu quarto. Verde desgastado uma cama intacta onde eu me encontrava suado de respingar no lençol.
Todos eles haviam desaparecido e sequer eu tinha fechado os olhos!
Olhei o relógio e já constava quatro da manhã!
Quatro sonos que perdi. Quatros sentidos que voltei a aprender.
Quem sabe não foi um delírio de febre alta! Uma visão do fim dos tempos ou paranóia de ficar tanto tempo lendo histórias sem sentido.
O sonho havia terminado, as aves iriam cantar no dia seguinte e o ônibus me esperava. Despenquei na cama de novo, mas demorei para pegar no sono, mas quando dormi foi como se a vida fosse composta de paz. Não continha vozes exteriores dentro dos meus ouvidos. Não Havia vozes de lembranças adoecidas que me traziam de volta aquele tempo ruim.
Minhas vozes interiores zelavam por meus sonhos.
A gente sempre sonha o que quer quando está com o interior unificado.
Eu não procurei terapia depois daquela noite, não tive medo de estar louco... Afinal encontrar quatro personalidades na porta do quarto é um bom motivo para acreditar que a loucura pode ser adquirida numa noite qualquer!(Não acha?).
Eu deixei que a rotina do dia seguinte me levasse a esquecer aquele delírio. No entanto, algumas vezes quando passava por um carro parado ou por uma vitrine com vidros limpos, e enxergava meu reflexo... Conseguia notá-los!
Eles viam devido as minhas vestes ou por esses sentimentos que nos absorve em cada travessa escura. Permaneciam ali dentro dos meus olhos. Não diziam nada sequer se mexiam, apenas ficavam em refugio do lado oposto do espelho. Traziam a lembrança que às vezes o que nos dizem não vale a pena de ser guardado, mas o que você mesmo diz é permanecido na alma. Podendo se transformar em argumento, cria ossos e um dia te visita no meio do quarto querendo explicações da falta de senso consigo mesmo! E quando você menos percebe está agindo diferente, tomado por força interior. Sendo grosseiro, chorando por motivos que nem conhece. Se perdendo até não restar mais nada de você!
Aqui está um lembrete: Pode ser uma personalidade irada. O teu interior enfezado , abolido e devidamente ofuscado por você mesmo!
Conhece-te a ti mesmo, caso o contrário a ti mesmo irá conhecer quatro vezes.

2 comentários:

Luiza Callafange disse...

Eu já tinha tido o privilégio de ler um trecho dessa composição, quando ela ainda estava em andamento...E confesso que me surpreendi com esse desfecho, e cheguei enfim à conclusão que eu realmente preciso conversar e me entender mais com os meus eus, para que não haja a necessidade de uma experiência tão psicodélica...
Incrível, Cleber. Você se superou, como sempre!
^^

Luciane disse...

Não queria comentar agora. Gostaria de ler outras vezes, mas a necessidade de lhe pedir que escreva, escreva e escreva sempre e cada vez mais fizeram minhas mãos desobedecerem o soberano dono de mim, das emoções e das coisas que vou guardar pra sempre. Mãos humildes, subalternas, peçam pro poeta não se calar. Obrigada por partilhar o que vai além de você mesmo.